Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Experimentação no Cinema, assim com a Arte em si como um todo, é um território de liberdade narrativa e criativa. São múltiplas linguagens e inter-relações de natureza artística, temática, simbólica, linguística, social, entre tantas outras, que podem ser realizadas através dele e, evidentemente, o cineasta tem a liberdade para pesquisar, definir, desenvolver e orquestrar recursos, perspectivas, movimentos, imagens e toda sorte e oportunidades de fruição pela Arte.
Entretanto, espera-se, pelo menos, considerando a potencialidade de conexão com o público, o mínimo de narrativa, ainda que ela seja não-linear. Ela é relevante sob a visão da recepção da obra, e da reflexão e discussões a partir da experiência cinematográfica.
Em Limiar(Threshold, 2020), os realizadores Rouzbeh Akhbari e Felix Kalmenson entregam um filme que perde essa oportunidade de conexão a partir de como a narrativa foi estruturada e desenvolvida. Inspirados pela ideia de um personagem-cineasta que busca locações para seu filme na Armênia, a tentativa foi percorrer uma jornada de interações, relações e experimentações com esses espaços, realidades e historia da região, porém, Limiar não funciona bem como longa-metragem.
Pode-se afirmar que o longa é muito mais uma jornada fotográfica, resultando em uma exposição mais espacial (geográfica) do que o hibridismo tempo-espaço-personagem-enredo-narração em uma narrativa básica. Se Limiar estivesse em uma exposição de Artes Visuais, ele funcionaria bem melhor como produto de Arte. Como Cinema, não.
Deveras, há experimentação visual e sensorial em algumas imagens, porém, o personagem em questão é muito mais um figura sem muita ação, bastante passiva. Não se aproxima nem à função de um coadjuvante. Ainda que os realizadores optassem por um homem sozinho pela Armênia, a relação do homem em busca de locações poderia ter tido algum atrativo em termos de narrativa, até mesmo considerando o próprio processo criativo do diretor. Nem mesmo as belas imagens de uma geografia distante e exótica mantêm o engajamento da obra.
Ademais, considerando o sentido de limiar como lugar que permite a entrada e/ou acesso, que marca o início de algo, ou que expõe o eu, suas subjetividades e limites sensoriais, temporais e abstratos, levando a uma exteriorização dessa alteridade e vivências, também, o filme não coloca para fora a experimentação além da estética. Muitas imagens surgem ali mais como uma contemplação do plano imagético, de forma muito isolada, do que propriamente com função narrativa que aproveite a potência do simbólico e do esculpir do tempo e espaço.
O filme passa a mensagem de que os realizadores não tinham muito claro o que fazer com relação a essa potência da imagem, do tempo e sua relação com o simbólico e com as questões geopolíticas e sociais da Armênia. Nem sempre um processo narrativo de Cinema resulta em um longa-metragem. Às vezes, um percurso de imagens são como um esboço, uma preparação para algo além.
Nesse sentido, Limiar se aproxima de um exercício estético inacabado e indeterminado. Ele poderia ter sido melhor amadurecido com o tempo, caso a ideia fosse realmente relacionar a geopolítica e as complexas fronteiras identitárias, étnico-raciais, culturais e geopolíticas dessa ex-República Soviética.
A própria sinopse promete algo que não entrega na realização ao mencionar "uma narrativa que caminha entre o mundano e o transcendental". De maneira geral, as imagens terrenas não extrapolam algo espiritual, transcendental e até mesmo catártico. Está longe disso por conta dessa indefinição da narrativa!
Limiar funciona mais como uma exibição fotográfica, uma contemplação documental de uma viagem mais solitária do que interacional. Perderam a oportunidade de explorar a ancestralidade, as fronteiras, as pessoas e até mesmo a cultura Armênia para que o mundo a conheça melhor.
(1,5)
Fotos: uma cortesia Reprodução Mostra SP via assessoria de imprensa do evento.
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