Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Com o crescimento das mídias sociais algumas fragilidades se tornaram mais evidentes, fluídas e complexas no dia a dia. Como dito por um dos maiores pensadores modernos, o sociólogo e filósofo Francês Zygmunt Bauman vivemos uma modernidade líquida, com relacionamentos igualmente líquidos. Isso quer dizer que, mesmo que as redes sociais apresentam vantagens e não devam ser demonizadas , de fato, elas também deixaram mais claros alguns problemas existenciais e de relacionamentos humanos.
Assim, ao mesmo tempo que as mídias sociais tornam as relações de comunicação e consumo, comunicação e ciências humanas em geral e desenvolvimento da inovação tecnológica mais evoluídas e em contínuo movimento, criando espaços cibernéticos de debate coletivo e agrupamentos identitários, por outro lado, elas também colaboram para tornar as relações frágeis, inclusive no que se refere a individualidade e a solidão.
Para quem assistiu a Nosedive, primeiro episódio da 3ª temporada da série Black Mirror, deve lembrar-se da personagem Lacie, interpretada por Bryce Dallas Howard, que vive em um cotidiano no qual as pessoas são avaliadas por estrelas e buscam popularidade e aceitação, entretanto, a realidade é muito mais dolorosa. Elas são solitárias e as relações são cada vez mais vazias, superficiais e movidas por interesses. Podemos dizer que o longa coproduzido pela Polônia - Suécia, SUOR (Sweat, 2020), é um tipo de "Black Mirror" com uma configuração mais modesta, melancólica e realista. Como visibilidade internacional em festivais, além de estar presente nessa 44ª edição da Mostra, ele integrou a seleção oficial do Festival de Cannes e recebeu nominação de melhor filme internacional no Festival de Zurique.
Na história dirigida por Magnus Von Horn, a atriz Magdalena Kolesnik interpreta Sylwia Zajack, uma celebridade do Instagram que tem 600.000 seguidores e é uma inspiradora musa fitness, cheia de beleza, energia e alto astral quando está malhando na frente da tela de um celular e em suas lives. Porém, na essência, é uma mulher bastante solitária, que não tem namorado no momento, não tem amigos presentes dia a dia e sente um profundo vazio existencial. O diretor consegue enquadrar bons momentos de contradição na rotina da musa fitness, como por exemplo, sorrir nos vídeos ao fazer publicidade de produtos e motivar os seguidores a uma alimentação e estilo de vida saudáveis, e algum tempo depois, ter uma vida realmente entediante, deprimida em sua casa, sem forças para ocultar seu desânimo e inadequação.
No desenvolvimento da personagem, também há uma característica essencial que está relacionada à máscara social da celebridade. Ela não se conforma por não ter um namorado quando sabe que a amiga tem um, demonstrando sentir inveja como uma mera mortal. Ela não se conforma de ser desejada por um stalker nada atrativo, mas faz questão de dizer à família e a um pretendente que ela tem um. Ela não se conforma de ser bonita e ser tão solitária, neste último caso, uma inferência na observação que certamente muitos notarão na experiência com o filme já que ela tem um padrão de beleza nórdica, socialmente bem aceita e comercialmente atraente. Enfim, são questões existenciais relacionadas ao ego que atingem diretamente o psicológico e comportamento da jovem, assim como são evidências recorrentes nas redes sociais.
Embora a temática tivesse potencial para desenvolver melhor a densidade psicológica da personagem, e principalmente, os conflitos a partir do segundo ato, há cenas que são significativas para compreender a solidão dessa mulher e como popularidade em redes sociais é uma questão bem mercadológica que não completa o ser humano como indivíduo pleno, realizado e verdadeiro.
Na verdade, Sylwia vive um personagem no cotidiano, mesmo que tenha talento e competência como celebridade fitness. Ela parece bem verdadeira com seus seguidores, entretanto, também se vê forçada a fingir sorrisos e ser cabide de produtos de saúde e bem estar quando, na verdade, seria melhor ela sentar, chorar e buscar terapia. O cúmulo da solidão é quando ela dá bastante atenção a um stalker, algo no qual dificilmente uma super celebridade perderia tempo.
A temática não é nova na modernidade, entretanto, dada a sua importância, é um filme que vem a corroborar as máscaras sociais presentes ao longo do tempo, desde que houve um boom da internet e patrocínio a influenciadores nas redes sociais. Todos os dias lidamos com personagens nas variadas mídias sociais, alguns mais reais e sinceros, outros forçados demais. Celebridades de Instagram e de Facebook que são patrocinados para sorrir e representar um papel mercadológico, seja acerca do estilo de vida, seja como consumidor de produtos e serviços. Como dito acima, não é algo que deve ser demonizado ao extremo, porém, há de se cuidar da existência humana no que ela tem de mais valioso: sua autenticidade.
Sylwia é uma celebridade que simplesmente tem uma vida nada saudável na forma como o longa foi roteirizado e dirigido. Com exceção da família, de seu cachorro, de um crush abusivo, de um stalker, de um empresário racional, só há seguidores e jornalistas na vida dela. Ela não socializa com absolutamente mais nenhum personagem que represente uma real amizade ou um sólido relacionamento com ela, sendo assim, apesar de ser uma escolha mais radical do roteiro, é uma escolha que mimetiza o esvaziamento existencial da jovem. Ela luta para ser aceita nesses ambientes como ser amada por um homem ou levada a sério pela família.
Tudo que ela encontra é mais um problema: lidar com um stalker tão solitário quanto ela. Estranhamente, um stalker que mostra a ela ainda mais sua solidão e vulnerabilidade como pessoa pública, e a necessidade de ser ela mesma. De certa forma, o roteiro é empobrecido à medida que a narrativa avança, perdendo algumas oportunidades de ter uma qualidade tão excepcional quanto um episódio de Black Mirror.
No geral, Suor é um filme honesto nesse esvaziamento da existência e das relações com o advento das mídias sociais. Sylwia coloca bastante energia, ou seja, suor no seu programa fitness e pouca energia nas outras áreas de sua vida, essa polaridade gera tensão e desconforto nítidos.
É claro que falta um posicionamento melhor da personagem. Ela está inconformada mas pouco se esforça para sair desse profundo mal estar. Em algumas situações, conforme desenvolvimento do personagem no roteiro, ela demonstra bastante imaturidade e ingenuidade na condução da própria vida. Nada de realmente interessante acontece, logo, aumenta-se o nível de tédio a cada plano. O sorriso forçado de Sylwia, uma esquisita combinação de busca por felicidade com desespero e solidão a torna uma personagem bastante atual e trágica. É um retrato profundamente triste sobre uma digital influencer.
Fotos: uma cortesia Mostra SP via Assessoria de imprensa do evento
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