Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Presente na Mostra SP como um dos destaques da Perspectiva Internacional, o documentário ativista Bem-vindo à Chechênia (Welcome to Chechnya, 2020), dirigido por David France, denuncia a violência contra pessoas LGBTQ+ na Chechênia, uma das Repúblicas que constituem a Rússia. É um corajoso e contundente trabalho investigativo a respeito da brutalidade sofrida por essas vítimas, que são obrigadas a abandonar suas casas, se esconderem na clandestinidade e viverem sob medo, ameaça e insegurança.
É um documentário que revela variadas facetas do autoritarismo do governo Checheno, cujo atual presidente, Ramzan Kadyrov, é um fundamentalista e protegido do chefe de governo da Rússia, Vladimir Putin. Embora em notícias globais, especulou-se que a Chechênia não age violentamente contra o público LGBTQ+, o documentário escancara a realidade dos fatos, mostrando que há um forte preconceito desse governo que autoriza ação policial, perseguição e violência institucionalizadas, chegando a afetar familiares das vítimas.
Na sua estrutura, tanto em roteiro como em direção, além dos depoimentos de ativistas e vítimas e cenas reais de violência, o documentário é de um singular e competente resultado dentro desse campo temático e investigativo. Com montagem, texto e ritmos muito bem articulados na investigação e denúncias, mesclando bem os relatos pessoais e o ativismo da rede em ação ( com câmera na mão e/ou escondida), a realização do registro jornalístico é de uma qualidade ímpar.
Bastante incomodo, a revelação dos bastidores do grupo de ativistas da Rede LGBT Russa e do Centro Comunitário de Moscou para Iniciativas LGBTI+ demonstra os sérios riscos que todos ali sofrem no engajamento com a causa. A Chechênia tem um governo conservador , violento e abusivo que tira totalmente a liberdade dos LGBTI+, que são impedidos(as) de viver suas vidas com seus (suas) companheiros (as) e/ou sexualidade, assim, sendo atingidos como seres humanos com direitos. A mudança brutal no curso da vida é dilacerante de ver durante a projeção.
Sendo assim, as atrocidades atingem por completo a vida dessas pessoas. Em um dos momentos emotivamente mais fortes, a família de uma das vítimas se vê em uma situação de luta pela sobrevivência, mudando de casa para não serem localizados pela polícia Chechena. Em outra situação repugnante, Ramzan Kadyrov debocha e ri, reafirmando sua postura autoritária, fundamentalista religiosa e socialmente sanitarista, deixando claro seu posicionamento contra os cidadãos LGBTQ+.
São exemplos como estes que realmente chocam, pois trata-se de uma violência absurdamente brutal contra a integridade e preservação humana. É sobre uma violência totalmente arcaica, medieval e arraigada em preconceitos estruturais construídos social e culturalmente. São violências disseminadas e encorajadas por "líderes" desumanos que visam apenas o poder, a opressão e a divisão social. É um governo baseado no medo e no totalitarismo.
Não é um documentário fácil de assistir, pois denuncia claramente a violação de direitos humanos, de liberdade e democracia. Vários jovens ali são atingidos em sua dignidade, restando-lhes apenas o apoio dos ativistas que acabam por agir sob constante ameaça e risco. É um filme fundamental para analisar como o autoristarimo cercea e mata a liberdade, o direito ao diálogo e aceitação. Todos os depoimentos do público LGBTQ+ são dolorosos. Eles são como prisioneiros e fugitivos sem culpa, que não conseguem viver livremente como cidadãos o seu direito de ir e vir.
Exibido e premiado nos Festivais de Berlim, Sundance e Hot Docs, Bem-vindo à Chechênia é um dilacerante filme-denúncia, que luta pelo direito à vida, o respeito e a liberdade. É um documentário essencial em uma sociedade que tem, como um dos desafios contemporâneos mais urgentes e vitais, combater o avanço dos governos autoritários que proliferam a intolerância e a violência.
(4,5)
Fotos: Uma cortesia Reprodução Mostra SP, via assessoria de imprensa do festival




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Cristiane Costa, MaDame Lumière