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Mostra SP 2020| Cracolândia (Crackland, 2020)

 



Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro


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Viva à permanência da Mostra SP em 2020!


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Nas primeiras cenas de Cracolândia (Crackland, 2020), documentário Brasileiro dirigido pelo cineasta Edu Felistoque, com roteiro do cientista político, professor e deputado estadual de SP, Heni Ozo Cukier, a questão básica que se coloca é bem honesta: O problema da Cracolândia, uma das áreas de intenso fluxo de consumo e tráfico de drogas na Capital Paulistana, é um assunto que as pessoas não gostam de conversar a respeito. Quase ninguém quer tocar no assunto, principalmente o cidadão comum, que não sabe como lidar com essa complexa problemática após tantos governos Paulistanos verbalizarem que a Cracolândia havia acabado e/ou estava sob controle.





Em 20 anos, o problema social na Cracolândia nunca foi efetivamente resolvido. Entre altos e baixos de iniciativas de saúde, segurança pública, serviço social, entre outros, os contextos, o papel e atuação do Estado e as vidas que ali estão destruídas são um todo complexo e desesperançoso. Exige um trabalho transversal e multidisciplinar do Estado e da sociedade civil. As soluções não virão rapidamente, e precisam ser resultado de políticas públicas integradas. Nesse aspecto, o documentário é bastante honesto e não foge da complexidade da questão.





Com essa abordagem inicial, Heni Ozo Cukier se mostra racional, aberto e bem articulado a discorrer sobre o tema, mostrando várias opiniões e realidades, com depoimentos de usuários, médicos, especialistas em saúde, serviços sociais e segurança pública, desembargadores, ONGS e outros profissionais envolvidos na rede de combate a essa pandemia.Independente de ideologia x ou y, partido w ou z, e a experiência do deputado na segurança Urbana de São Paulo e no Legislativo, não se pode negar que ele realizou uma boa pesquisa  e atua como um estudioso das relações sócio-políticas, assim, não é um homem superficial como muitos que estão no governo atual. 










As imagens documentais apresentam um bom equilíbrio na variedade de registros, entre depoimentos e fotografia, principalmente considerando que nem sempre é possível chegar próximo aos usuários de crack. Engloba imagens da região central de São Paulo como também algumas colaborações no exterior, em cidades como Los Angeles, Zurique e Oslo, assim, trazem uma visão local mas também global, em cidades que vivenciam o drama do consumo de drogas a céu aberto. As cenas no estrangeiro ajudam a perceber práticas e experiências com redução de danos e internação, tratamentos necessários como política pública integrada, sendo que, sua implantação depende de outros fatores  ambientais e sociais que agravam a questão no Brasil.





Apesar de países mais desenvolvidos como Noruega, terem um número menor de usuários, trazer uma visão multicultural para o tema faz refletir sobre as distintas práticas utilizadas no enfrentamento do consumo de drogas pesadas como a heroína, além de apresentarem uma visão por que lidar com o crack é um mundo à parte, dada a sua severidade em dependência e efeitos colaterais. Realmente, a Cracolândia é um microcosmo complexo, muito em função dos problemas sócio-econômicos  e políticos no Brasil, e também por ser uma droga muito perigosa e degradante, subproduto mais barato da cocaína.




A boa direção de Edu Felistoque possibilita um documentário dinâmico, com ótimo ritmo e amplitude de distintos pontos de vista. Todas as opiniões trouxeram diferentes complexidades ao debate como o tráfico de drogas, a redução de anos, a internação, a ação policial, a atuação da mídia e outros mais, chamando o espectador para uma reflexão sob múltiplos olhares que envolve a intersetorialidade para a tratativa da questão.




O documentário faz um bom serviço ao Cinema e ao público, sob a perspectiva de trazer um tema controverso e polarizante para uma reflexão dialógica, pelo menos possibilitando às famílias, autoridades e instituições que analisem o complexo espectro de problemas que envolvem a CracolândiaAinda que o entrevistador  seja político de partido liberal, que deixa evidente que não é possível afrouxar 100% das regras, ele não visa trazer respostas prontas, mas faz pensar. Em algumas cenas, ele deixa escapar uma ou outra preferência ou posicionamento mais forte, porém, isso não afeta o seu profissionalismo e seriedade na condução do tema.










É bem provável que sua presença possa, inicialmente, afugentar quem se posiciona na esfera progressista, mais de esquerda e seja muito polarizante. Entretanto, nenhum cidadão deveria deixar de assistir ao filme por causa de diferenças políticas. Ele apresenta bom senso ao expor que a solução é uma combinação de regras com prevenção, tratamento e preparo dessa população. Com isso, o grande acerto do filme é não se apegar a egos, melindres e rixas partidárias e ideológicas, e sim, buscar abrir a visão do público. Cabe a cada cidadão extrair o melhor desses relatos, mesmo sabendo que o Estado ainda tem sérias dificuldades para melhorar a saúde, segurança e bem estar desses dependentes químicos e da população em geral.





Realmente, não é fácil assistir ao documentário porque é um contexto de violência, miséria e desumanização da vida. São tantos problemas em cena que, quem tem um amigo, familiar ou conhecido que é dependente de algum tipo de droga, mais uma vez, sentirá na pele como é doloroso confrontar a problemática da dependência química. Nesse ponto, o documentário não enfoca nas famílias e sim muito mais nos profissionais e usuários, porém testemunhar alguns close ups em alguns  dependentes químicos, faz pensar nas dimensões privada e coletiva: qual é a identidade daquela pessoa, o que aconteceu com ela, quem são seus familiares e amigos, são pais e mães, tem filhos(as), qual sua profissão, qual será seu futuro, o que gosta de fazer, quais seus sonhos.





Embora o roteiro traga um viés analítico e multidisciplinar para o debate, quando se olha um usuário de crack totalmente dependente, sem rumo, sem estrutura física, material, educacional, emocional e psicológica, para o qual a Cracolândia é o único lar e porto seguro, não há como não se sensibilizar com as cenas. É como ficar de mãos atadas como ser humano e cidadão! Ademais, há bons depoimentos que evidenciam (e reforçam) que a Cracolândia é um microcosmo de todos os problemas Brasileiros. De fato, é uma triste realidade onde toda a sociedade perde. Seu nome é uma das melhores acepções, formado por Crack e Land (Terra do Crack). Ali os usuários têm suas dores aliviadas com drogas e seus vícios alimentados por traficantes, com isso, a Cracolândia é também um problema nacional ligado à saúde mental e ao narcotráfico.










Fica visível a necessidade do diálogo entre quem pensa igual ou diferente do entrevistador e de outros convidados. Enquanto não há um diálogo sob diferentes opiniões e colaboração entre setores, buscando uma solução e esforços coletivos, dificilmente esse grave problema social será resolvido. Após ver o documentário, fica mais compreensível por que as pessoas têm resistência a esse assunto. Cada um pensa de um jeito diante do horror, vendo seu próprio semelhante, o ser humano, em processo autodestrutivo. Nenhum cidadão como ético e humanizado, em sã consciência, gosta de testemunhar a degradação humana e o descaso social. Nenhum. Porém, fugir do tema não é o correto. Nesse sentido, o documentário vem a somar.





(3,5)


Foto: uma cortesia Reprodução Mostra SP para imprensa credenciada.

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