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Mostra SP 2020| Filho de Boi (Son of Ox, 2109)

 




Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro


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Viva à permanência da Mostra SP em 2020!


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Pensar que a estrutura patriarcal oprime apenas as mulheres é somente uma parte da complexa reflexão social e histórica a respeito das questões de gênero que moldam o Brasil. Ela oprime também os homens em círculos familiares e sociais mais tradicionais. Desde a infância, em muitas famílias, meninos são educados para desenvolver sua masculinidade com diferentes níveis de toxicidade, reforçando os considerados padrões de "ser homem". Em culturas como a Nordestina, palavras como "ser cabra da peste", "ser cabra macho" trazem o sentido de homem cis-hetero admirado por sua valentia.








Em Filho de Boi (Son of Ox, 2019), uma triangulação temática traz três questões nevrálgicas para a experiência com o filme: a relação pai e filho e a masculinidade, o desejo pelo circo e a escolha pela fuga ou pelo enfrentamento do eu e das realidades. Com simplicidade e espontaneidade, o longa, realizado pelo coletivo Plano 3 filmes, formado por Paula Gomes,  Haroldo Borges,  Marcos Bautista e Ernesto Molinero, resulta na história do menino João que está dividido entre permanecer em casa com seu pai ou fugir com o circo. Dessa vez, é Haroldo Borges quem orquestra essa direção.








Jõao (João Pedro Dias) é um menino trabalhador, simples e acanhado. Enquanto os outros meninos da região gostam de ofendê-lo por ele ser o Filho de Boi, ele se mantem discreto, solitário. Seu pai (Luiz Carlos Vasconcelos) é figura autoritária, daqueles que dizem algo como "não criei meu filho para ser frouxo" e "o circo não é para você, não é para homem". Após o divórcio, vive apenas com o filho, que o ajuda nas atividades com o gado. Com o aparecimento de Salsicha (Vinicius Bustani), filho de palhaço que comanda o circo Papa-léguas, João tem um novo amigo e uma outra figura paterna, afetuosa e incentivadora.




No campo dos afetos,  colocar esses três personagens contribui bastante com a perspectiva realista da narrativa, tanto nas emoções como nas relações sociais construídas no país. Mais uma vez, o circo, como representação da Arte e dos afetos, da liberdade, do riso, da alegria, do propósito, da paixão, surge em contraposição à uma cidade na qual João nem parece conterrâneo. 




O menino tímido é tratado mal pela cidade. Ele é motivo de chacota, começando pelos meninos de sua idade. Seu pai, sua família, sua casa, seu trabalho, absolutamente não há afetos no tecido da sua terra árida. Essa crueldade (e crueza) disfarçadas de piadinhas reforçam que, naquela cidade, João tem um ambiente tóxico, autoritário e machista no qual ele não é respeitado em suas subjetividades, em seus sonhos. Assim, o sertão Baiano não é apenas terra seca na geografia, mas na história mimetiza essa dureza nas relações de masculinidade.




O filme não é uma crítica dura ao Nordeste, pelo contrário, a terra é amor, é cultura, é alegria, é Brasil, entretanto, as relações de masculinidade são tecidas entre os afetos e desafetos nesse contexto.  Nesse sentido, é mais honesto dizer o que deve ser dito: há uma masculinidade tóxica construída estruturalmente no Brasil, uma masculinidade que adoece muitos garotos e, como consequência, poderá vir a adoecer muito mais mulheres, homens, crianças, famílias em geral. Sendo assim, é mais construtivo fugir ou  enfrentar a realidade? O filme coloca essa reflexão em jogo.





O trabalho desse coletivo é bem interessante, fruto de esforços que retratam a realidade dos locais muitas vezes esquecidos pela população. Apreciam circo e artes e a força do coletivo. Exemplo disso foi o filme-documentário Jonas e o Circo sem lona (2015) , dirigido por Paula Gomes, no qual é retratada a infância, os desejos, a paixão pelo circo. Filho de Boi, agora enfocando um menino na puberdade, fala sobre raízes, entrecruzando as dimensões pessoais e coletivas, como aponta seu diretor: 



Filho de Boi é um filme sobre raízes, que lança luz sobre as relações no sertão, esse território que normalmente é reconhecido como um lugar de fuga. Mas ficar, às vezes, exige mais coragem do que partir".










O filme tem a beleza da espontaneidade nas atuações, no uso de atores naturais, de locações rústicas, de animais no pastoreio. Ainda que o elenco tenha vivenciado laboratório de experimentação, sob a coordenação de Fátima Toledo, experiente preparadora de elenco, existe bastante naturalidade na relação entre os personagens, com destaque para Vinicius Bustani, excelente ator, carismático, afetivo e leve.





Como protagonista, João Pedro Dias enfrenta bem o desafio. Inicialmente, com a cara mais amarrada, bastante tímido, logo depois, consegue criar boas nuances nas cenas de conflitos. Advindo de escola pública e não ator profissional, João participou de uma seleção com 1500 meninos, e dá vida a um personagem difícil, bem fechado em si e com um desejo aflorante de ser livre e encontrar seu destino. A escolha de João foi uma boa materialização de oportunidades de inclusão social no país, através da cultura. Muitos meninos sonham com o Cinema porém não são dados a todos  lugares de fala e socialização.




É um filme que carrega mais choro do que risos. Em algumas cenas, o choro é segurado, deixando João mais acanhado. É compreensível... ele vive em um ambiente complicado, sem amigos, dividido entre as lágrimas e o riso, entre as broncas e rudeza do pai e os incentivos e generosidade de Salsicha. Ademais, o menino de 13 anos está em processo de amadurecimento, aprendendo a lidar com o presente e a potência do futuro, a decidir entre as raízes e ser passarinho.




Assim,  Filho de Boi é também sobre escolhas difíceis e resistência. É um filme regional no Sertão Baiano que traz essa universalidade tão bonita e necessária ao Cinema e ao cotidiano.





(3,5)


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