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Mostra SP 2020| Kubrick by Kubrick (2020)

 



Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro


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Viva à permanência da Mostra SP em 2020!


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Um documentário é capaz de dar conta da filmografia de um diretor como Stanley Kubrick, reconhecido por ser um cineasta genial e completo em todo o processo cinematográfico ? Com um bom recorte e uma grande admiração por ele, certamente, sim. É o que ocorre em Kubrick por Kubrick (2020), de Gregory Monro, que percorre a obra do diretor de uma forma objetiva e consistente, mas também igualmente apaixonante e cinéfila. O documentarista não entrega diversos detalhes biográficos, o que representa um ótimo acerto ao despertar o interesse por saber mais sobre o visionário diretor.





Gregory Monro 




Partindo de uma entrevista rara concedida pelo diretor ao Francês Michel Ciment,  crítico de cinema com ampla experiência e autor do livro Conversas com Kubrick (Cosac Naify, 2013),  o documentário se desdobra em uma organizada entrevista no qual, entre depoimentos de Kubrick,  Gregory Monro intercala a filmografia  com imagens de grandes clássicos como Barry Lindon, Laranja Mecânica, 2001: Uma odisséia no espaço, O iluminado, entre outros. Há um percurso bem esquematizado na apresentação das obras e experiências do cineasta, assim como fragmentos de arquivos com entrevistas de atores e atrizes como Malcolm McDowell, Jack Nicholson, Shelley Duvall.





Na sua estrutura organizada, o documentário tem uma clara síntese na qual, qualitativamente, também oferece um bom panorama da cinematografia, entretanto, o agradável sabor da descoberta e da contemplação de Kubrick por Kubrick, está na sua objetividade, honestidade e naturalidade. Como o título menciona, é a visão de Kubrick transbordada na tela. É ele falando de si. Nesse sentido, o longa reserva esse espaço de intimidade ao espectador por exatos 73 minutos, nos quais, o diretor não esconde sua forma de pensar e fazer Cinema, e muito menos os conflitos  nos sets dada sua exigência técnica e exaustivas tomadas. Em momentos reveladores, ele reconhece que o processo de pensamentos dele é difícil de definir.





Kubrick, americano e filho de judeus. 

Crescido no Bronx, ganhou de seu pai a sua primeira câmera 




Conhecido por ser um cineasta privado, não adepto a dar entrevistas, ele tinha confiança em Michel Cimment, desse modo, as conversas fluem com muita consistência, iluminando o porquê o diretor prezava pela qualidade, perfeccionismo, experimentação e adaptação de obras sob uma perspectiva pessoal que lhe são bem próprias. "Sempre me senti atraído por algo que proporciona possibilidades visuais importantes, mas esse não é único motivo. Parte do problema de qualquer história é fazer você acreditar no que está vendo, obter uma atmosfera realista", comenta.






Michel Ciment lançou Conversas em Kubrick: proximidade com o diretor
Livro do acervo pessoal MaDame Lumière




No prefácio de Conversas com Kubrick, o grande mestre Martin Scorsese, confesso admirador do cineasta, diz algo que traduz muito o que representa o legado Kubrickiano: "Assistir a um filme de Kubrick é como ver o cume de uma montanha a partir do vale. Nós nos perguntamos como alguém pôde subir tão alto. Há em seus filmes trechos, imagens e espaços carregados de emoção que têm uma potência inexplicável, uma força magnética que nos aspira lenta e misteriosamente:  o itinerário de menino percorrendo os intermináveis corredores do hotel em seus velocípede em O Iluminado; o silêncio monumental do vazio sideral em 2001: Uma Odisséia no Espaço; o ritmo inumano da primeira metade de Nascido para Matar, que vai num crescendo até sua resolução lógica e sangrenta..." (p.20)




Com o mesmo espírito, o documentário abre algumas fronteiras para a compreensão do gênio. Mesmo com sua objetividade, o longa abre esse discurso de exploração da filmografia do diretor, sua relação com o fotojornalismo e a importância da iluminação, as aproximações de suas obras com outras linguagens artísticas, a competência de ser um autodidata e um investigador de obras ficcionais, a habilidade de controlar e dominar todas as fases de suas produções, os desafios de orquestrar tantos recursos e relacionar-se com  as pessoas.







"Dirigir um filme não é sempre divertido porque você está num conflito com as pessoas. Há bastante tensão em todos" 

(Stanley Kubrick)




Nesse sentido, o documentário permite espaços para reflexão pessoal do espectador sobre a realização de verdadeiras obras primas. A medida  que Kubrick reconhece  que nem tudo é explicável, e outros profissionais desabafam que não era fácil trabalhar com o cineasta, o público pode ter algumas impressões e insights e se interessar pela pesquisa de sua filmografia.  Em um dos momentos mais sinceros (e de certa forma, tragicômico), o ator Sterling Hayden, que trabalhou com Kubrick em Dr. Fantástico, revela que teve que realizar 38 tomadas. Leonard Rosenman, compositor de Barry Lindon, se submeteu a 105 tomadas.  Essa intimidade levemente crua, contrastando com a seriedade Kubrickiana, possibilita compreender que, por trás de grandiosos filmes e de toda a genialidade que os  cerca há muitos conflitos registrados na História do Cinema. "38 tomadas. Doloroso e constrangedor", confessa Hayden. 






Set de Laranja Mecânica




De fato, Stanley Kubrick nunca foi fácil de compreender e, pela biografia, nem de lidar com. Ele detinha bastante controle sob recursos cinematográficos como equipamentos, orçamentos e cronogramas, assim como era obstinado em  buscar expressar o realismo na ficção. É um mestre moderno e único, capaz de trazer novas configurações e sentidos ao seu Cinema, explorando  de forma múltipla diferentes temas, contextos, associações e simbolismos. Inquestionavelmente, é um diretor, cuja obra cinematográfica, exige variadas leituras e releituras, dada que sua riqueza narrativa possibilita extrapolar os limites dos dramas humanos, do fantástico, do horror, da sociedade, da modernidade.




Kubrick por Kubrick é mais um bel-prazer na seara de documentários especiais sobre diretores. É um filme mais objetivo e convencional que não trará todas as respostas e encantamentos sobre o diretor (e, sinceramente, nem é preciso). Espera-se que o espectador possa enxergar que, nessa objetividade, reside um reflexo do estilo Kubrickiano de ser. Ele simplesmente concedeu uma entrevista a Michel Ciment, e sua filmografia falará por si mesma quando explorada. É um mestre que permite que o espectador construa seus próprios sentidos a partir das vastas experimentações de como ver e sentir Cinema.





(3,5)



Fotos: Uma cortesia Reprodução Mostra SP, via assessoria do evento.

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