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Mostra SP 2020| Al-Shafaq - Quando o céu se divide (Al-Shafaq - When heaven divides)

 



Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro


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Viva à permanência da Mostra SP em 2020!


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Muitos filmes independentes e contemporâneos, tanto os procedentes da Ásia e África assim como os da Europa, costumam abordar a questão do Fundamentalismo religiosoOs primeiros por serem palcos de violentas guerras civis de natureza político-social e religiosa como a da Síria e Afeganistão, entre outras, além dos costumes, valores e regras com base na religião que têm causado conflitos ao longo dos anos, tanto no âmbito familiar como coletivo.  Os segundos por receberem muitos refugiados e imigrantes advindos desses continentes, fato que gera uma outra complexidade social que tem sido marcada por intolerância étnico-racial e religiosa na Europa. 




O ator - mirim  Ahmed Kour Abdo como Malik: uma criança que perdeu o irmão na guerra. 




Al-Shafaq-Quando  o céu se divide, cujo título em alemão é Al-Shafaq Wenn Der Himmel sich spaltet, é uma produção que se enquadra nessa dupla origem, ou seja, tem investimentos europeus advindos da Suiça em cooperação com a Turquia. De ascendência Turca, a diretora Esen Iski vive na Suíça e realiza seu segundo longa-metragem, agora disponível para exibição na Mostra SP a partir de 22 de Outubro. 




Nesse caso, as origens do filme influenciaram a execução da obra por duas razões: A história aborda o fundamentalismo religioso e localiza perdas na fronteira Turquia - Síria, e tem um resultado mais estrangeiro ("europeu", "outsider") em comparação a filmes de outros países de origem árabe, curda ou persa. É perceptível que, embora o foco da história está em uma família de religião muçulmana, a narrativa é influenciada pela vida dessa família na Europa. Dessa forma, o Islamismo é usado como ponto central de conflitos e decisões, entretanto, o roteiro e direção são rasos nesse tratamento religioso. 





Os atores Beren Tuna e Kida Khodr Ramadan, respectivamente, mãe e pai: Família Turca




A composição e montagem da narrativa são baseadas em flashbacks e fragmentos do presente sem uma linha temporal bem estruturada. Nesse sentido, o espectador já sabe que um pai perde o filho no início da história, em decorrência da Guerra Santa, e depois é narrado o porquê chegou-se a essa perda. Abdullah (ator Libanês Kida Khodr Ramadan) desempenha o papel do pai conservador e bem religioso. Casado e com três filhos, ele conduz a educação deles com rigidez. Muita da cobrança religiosa é acompanhada por uma real opressão sem margem a nenhum diálogo. Quem mais sofre é Burak, filho mais jovem, interpretado por Ismael Can  Metin.




Apesar de não ser uma história original, torna-se um filme sem engajamento narrativo, nem com a real situação familiar e nem com o fundamentalismo religioso. Ainda que mostre ligeiramente temas nevrálgicos como a religião, a família, a relação entre pais e filhos, os desejos e a liberdade de um jovem muçulmano na Europa, tudo é muito esquematizado e rápido para passar à próxima fase e concluir o que já é sabido desde o início do filme. Além do mais, não é emotivo, falta "alma", por assim dizer.




O argumento tinha potência, porém a execução foi problemática, não dando tempo para conectar as pontas e contribuir com um debate. Um dos exemplos de "ponta solta" é não aproveitar o encontro entre duas pessoas que perderam entes queridos. Abdullah perde o filho e encontra Malik (Ahmed Kour Abdo), uma criança que perdeu o irmão. O que seria um momento de dor a ser compartilhada, com oportunidades para conectar essas emoções e realidades, simplesmente fica na superfície.




Outra questão delicada nesse tipo de execução é demonizar o Islamismo por todo o mal que ocorre em uma família e/ou contexto social. É uma abordagem perigosa porque não contribui para a discussão a respeito de religião, cultura, educação, política, gênero, entre outras questões que entrelaçam a complexidade das relações étnicas, políticas, econômicas e religiosas em países de grande número de islâmicos.  O longa utiliza o Islamismo para mais uma situação - limite: Burak deseja lutar na Guerra Santa, ou seja, nenhuma outra opção foi oferecida a esse jovem, e a religião acaba sendo utilizada negativamente como motivação para uma guerra, assim, trazendo uma tragédia familiar.




O roteiro enrijece demasiado a questão religiosa, colocando uma carga muito pesada no jovem Burak até em situações muito simples.  Ele não pode nem ao menos ter amizades com um europeu ou flertar com uma garota. Absolutamente, com exceção de frequentar a mesquita, ler o Alcorão e realizar as horas de oração, ele mal pode parar no metrô e conversar com um amigo. A religião é utilizada para normatizar e aprisionar a vida do jovem, e muito pouco para mostrar outras problemáticas sociais. Além do mais, não há um arco dramático no personagem Burak nos flashbacks. De uma hora para outra, ele se torna um extremista e, pela execução,  a culpa é do Alcorão. Tal escolha do roteiro não ajuda a compreender esse personagem e muito menos sua inadequação ao Ocidente. 








Com isso, o problema não é apenas colocar pressão sob o jovem, mas essa escolha não tem a ver com a realidade de um homem muçulmano na Europa. Talvez alguns jovens não tenham tanta autonomia e sentimento de pertencimento, porém outros lidam com o cotidiano, suas identidades e subjetividades, suas relações interpessoais. Mesmo que mínima, essa socialização do jovem deveria contribuir com o filme e com a realidade mimetizada nessa ficção. Logo, outro problema é tratar essa falta de liberdade e a influência cultural e religiosa como algo muito esquematizado e racional na decupagem e direção de atores.Torna-se algo frio e pouco empático. O elenco acaba sendo pouco desafiado e, entre eles, Ismael Can  Metin e Ahmed Kour Abdo eram os que mais tinham potencial de desenvolvimento na história.




Finalmente, como público, não temos que dizer a(o) diretor(a) o que ele(a) deve fazer, porém, como cidadãos do mundo e espectadores de Cinema, temos o direito de sinalizar as perdas de oportunidade no debate público a respeito de religião, política, sociedade e novas gerações. Posto isso, o filme perdeu essa oportunidade. Resta ao público observar essas lacunas da narrativa e aprender com essa experiência para, então, não aceitar no Cinema qualquer discurso superficial para temas complexos.








Fotos: uma cortesia Reprodução Mostra SP, via assessoria do evento.

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