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#Sororidade #Mulheres #CineMundi
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
A construção do patriarcado na sociedade ainda apresenta duas facetas opostas, a sutil e a escancarada. Ambas, em diversos momentos, convergem entre si para oprimir mulheres no cotidiano, desse modo, decisões acerca do papel, ação e realização da mulher como trabalho, relacionamentos, maternidade, entre outros, a depender do contexto, culturas e instituições, ainda são bastante discutidas e tomadas pelos homens, principalmente em países mais conservadores.
O diretor Emin Alper ganhou prêmios nos Festivais de Istambul, de Sarajevo e Bruxelas
Reprodução ©MehmetKacmaz-Nar. Via assessoria do filme
Nesse sentido, O Conto das Três Irmãs (The Tale of Three Sisters, 2019), drama Turco do premiado cineasta Emin Alper, narra a história de Reyhan, Nurhan e Havva, irmãs nascidas no interior da Turquia e que, para terem uma melhor perspectiva de vida, são adotadas por famílias abastadas da cidade. Elas são chamadas de "beslemes", que significa um duplo papel, filha adotiva com empregada doméstica. Desse modo, ser "besleme" se apresenta como a mais acessível possibilidade de mudança.
Embora o filme foi desenvolvido com roteiro de Emin Alper, considerando a Literatura Mundial do gênero conto, essa história flerta com As Três Irmãs, clássico do dramaturgo russo Anton Tchékhov. As irmãs são criadas em um ambiente bem patriarcal no qual qualquer ascensão social ou rota para uma "pseudo" liberdade depende de um arranjo matrimonial e/ou uma negociação realizada ou dependente de homens. O mesmo ocorre nesse longa ao ter dois personagens masculinos, especificamente o pai delas (Müfit Kayacan) e o médico da cidade (Kubilay Tuncer), que negociam e tomam decisões sobre qual das irmãs será a "besleme" da vez.
"elas dependem das táticas de solidariedade, competição e das decisões dos homens em volta delas"
(Press Book do filme)
Indicado ao Urso de Ouro da Mostra Competitiva do 69º Festival de Berlim, o filme revela um talento excepcional do cineasta em articular as linguagens literária, cinematográfica e artística, além de um belo resultado audiovisual que reúne a intertextualidade da Literatura e a narração visual com acertado uso de representações em metáforas, personagens, conflitos, tempos e espaços na longínqua Anatólia.
O filme funciona muito bem como um conto dentro de uma obra audiovisual, com isso, seu diferencial é a composição narrativa construída a partir do que é, de fato, um conto. Ele resgata a tradição das narrativas orais, porém, sem exageros na contação da história e no desenvolvimento dos personagens. Todos têm seu momento de falar e levar ao público por que aquelas jovens estão inseridas em um contexto, cuja construção social e cultural foi severamente influenciada por um rígido patriarcado.
Ainda, levando em conta a referência do conto como tradição e gênero literário, ao observar a produção do design, os planos mais fechados na casa rural e os mais abertos em áreas montanhosas, o figurino e o elenco, bem sustentados pela direção, fotografia e montagem, é notável que o filme é como um texto em imagens. Baseada em técnica de chiaroscuro, o design de cores torna-se aspecto fundamental para transmitir essas imagens também como literárias, possibilitando realizar esse tipo de abstração, trazendo o repertório contista para a experiência audiovisual do público.
Sob a perspectiva mais temática, o longa se destaca pela sororidade das irmãs. O cineasta busca orquestrar uma sororidade espontânea que emana com empatia. Ela é bem legítima, que nasce de cada irmã à medida que elas sentem na pele e compreendem a dor da outra, assim o sabem, porque estão todas na mesma situação, ou já viveram como "besleme" ou ainda virão a ser (como é o caso de Havva, a mais jovem).
É interessante notar que, mesmo quando elas brigam em uma breve discussão cotidiana, ou têm o mesmo objetivo, como o de escapar daquele lugar, elas são unidas. Esse comportamento define bastante a ideia que o filme revela: elas ali nasceram, sabem da dificuldade de quebra do ciclo opressivo do patriarcado e, ainda assim, elas têm uma esperança compartilhada. Isso fica evidente quando as experiências prévias da mais velha, Reyhan (Cemre Ebbuziya) e a do meio, Nurhan (Ece Yüksel), servem como um aprendizado para Havva (Helin Kandemir). A gênese literária do conto também iniciou com a importância da transmissão de fatos, saberes e experiências, iniciadas com a oralidade nos tempos antigos.
Como um bom conto, o filme é um recorte narrativo, mais conciso, sobre a realidade das mulheres Turcas que vivem em meio rural no país; são mulheres que atravessam a história sem muitas perspectivas de autonomia e liberdade. De fato, é uma cultura mais tradicional, porém, há que considerar que é uma característica mais do interior que da cidade, levando em conta que, Istambul, por exemplo, caracteriza-se por uma cultura mais urbana, turística e aberta. É claro que ainda existem muitos desafios nas conquistas femininas no mundo. A diferença é que há culturas como a Turca que a influência familiar e da sociedade na vida das mulheres (e também dos filhos homens) são bem claras.
De todo modo, esse conto cinematográfico não se restringe à ficção, realmente, ainda existem práticas tradicionais para matrimônio, trabalho e educação de mulheres em países mais conservadores. Porém, pelo menos nesse filme, é possível sentir solidariedade, empatia e esperança por essas mulheres.
(3,5)
Lançamento oficial direto no streaming: 15 de Outubro.
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