Sou MaDame Lumière. Cinema é o meu Luxo.

  Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro   www.mostra.org #mostrasp #44ªmostra #44mostra Acompanhe o MaDame Lumière para saber mais...

Mostra SP 2020 | O Problema de Nascer (The Trouble with being born, 2020)

 



Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro


#mostrasp #44ªmostra #44mostra

Acompanhe o MaDame Lumière para saber mais sobre os filmes

Viva à permanência da Mostra SP em 2020!


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação



Ficções científicas que percorrem a relação entre humanidade e tecnologia, entre ser humano e androide exigem um considerável tato do(a) diretor (a) e do(s) roteirista(s) para transmitir as percepções, ideias e sentimentos sobre a humanização da máquina e a desumanização do homem. Logo, não é  uma missão fácil escrever  e dirigir esse tipo de ficção, principalmente, quando ainda não se tem experiência com o gênero e com outras cinematografias na carreira.  



A jovem cineasta Sandra Wollner   e o co-roteirista  Roderick Warich, através de O Problema de Nascer (do original alemão Die Last geboren zu sein, 2020), tentam construir essa narrativa sobre uma androide e seus fantasmas, e o resultado não é muito bom. Diferente de roteiristas como Alex Garland, que escreveu ficções como a adaptação de Não me abandone jamais (Never let me go,  2010), o horror sci-fi O Extermínio (28 days later, 2002) e fez uma excepcional estreia como diretor-roteirista em Ex-Machina: Instinto Artificial (Ex Machina, 2014),  a cineasta deixa a desejar aqui (ainda que tenha ganhado o Prêmio Especial do Júri da seção Encontros no Festival de Berlim).







Elli (Lena Watson) é uma androide bem jovem, uma criança, pelo menos, na aparência física. Vive com um homem (Dominik Warta) que ela chama de Pai. Mais reclusa em casa e mergulhada em memórias e fantasmas, Elli desfruta o tempo com ele com banhos de piscina e alguns breves momentos rotineiros, à noite, ele a coloca na cama, em outros momentos, ela caminha pela floresta escura. Mais adiante, Elli está na casa de uma senhora idosa interpretada pela atriz Ingrid Burkhard.



A ideia de enfocar uma androide bem jovem , suas memórias e fantasmas, além do drama da máquina que pouco ou nada representa para os humanos em cena é bem intrigante e contemporânea, em especial, quando percebe-se que o ser humano tenta suprir suas carências e memórias afetivas através de outros recursos  como a própria tecnologia. Lamentavelmente, a boa ideia dos realizadores vai se materializando de forma problemática durante a execução da narrativa.








No primeiro ato, Elli tem uma relação bem estranha, em outras palavras, desconfortável com quem chama de Pai. O fato de usar a imagem de uma criança como androide a colocando em cenas de intimidade insinuantes que levam a crer que há uma proximidade amorosa / sexual com o homem em cena é bastante complicada. Isso ocorre não apenas pela sugestão de pedofilia, mas pelo fato de que não é compreensível e justificável o porquê a diretora realizou esse tipo de apelo e o quão isso tem algo a dizer. Talvez a carência de Eli? O campo dos afetos e humanização da máquina? As memórias do homem? A solidão? Alguma relação abusiva do pai? 



Mesmo assim, foi uma decisão que não choca e nem conta nada de realmente significativo, assumindo muito mais uma posição de incomodar gratuitamente.  Na teoria e prática do Cinema, o cineasta toma decisões na decupagem do roteiro, ou seja, há liberdade criativa e artística na função do diretor. Ele é um contador de histórias, um articulador de narrativas e suas relações entre a imagem, o discurso, a história, a sociedade, a existência, entre múltiplos olhares. O que ocorre no filme no primeiro ato é um pouco repulsivo porque apenas insinua algo que não agrega muito à história.








No transcorrer entre segundo e terceiro atos, o filme é bastante lento na execução, o que exige uma boa dose de paciência e flexibilidade para não deixar a experiência do primeiro ato influenciar negativamente a análise da obra.  De maneira ampla, a partir de metade do longa, a direção conseguiu transmitir um pouco mais essa relação vazia de Elli com os humanos. 




Nos planos nos quais ela aparece com a idosa senhora, agora com aparência de menino, é perceptível o quanto ela é inadequada e não valorizada naqueles contextos e com aquelas pessoas. Ainda que ela esteja fisicamente ali e represente a possibilidade dos seres humanos vivenciarem memórias, ela lida com questões como solidão, não-aceitação e desumanização. Em uma das cenas mais dramáticas, realizada no estacionamento de um estabelecimento, é possível sentir na pele o drama de Elli.







Posteriormente, a narrativa pouco evoluí para um clímax ou significativo acontecimento, tendo como destaque apenas o desenho e edição do som que, aliás, agrega boa qualidade técnica às tomadas externas na floresta e estradas. Em termos de enquadramentos,  fotografia e movimentos de câmeras em geral, certamente, o filme cria uma atmosfera de suspense e estranhamento, porém ainda carece de uma melhor articulação entre direção e desenvolvimento de roteiro.




Por fim, a respeito da relação ser humano x androide, o longa dá sinais dessa fragilidade que diz muito sobre como a sociedade contemporânea funciona. Desse modo, para aproveitar algo do filme, é preciso observar como, de maneira geral, a relação entre Elli e os outros personagens é desprovida de conteúdo e afetos. Isso mostra que o ser humano está cada vez mais desumanizado, e tem desafios para lidar com a máquina, com o outro e também consigo.






Fotos: uma cortesia Reprodução Mostra via assessoria de imprensa do evento

0 comentários:

Caro (a) leitor(a)

Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.

Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.

No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.

Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.

Saudações cinéfilas,

Cristiane Costa, MaDame Lumière