Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Uma das complexidades de adaptar uma obra Literária e/ou Filosófica para o Cinema é definir, escrever e executar o que faz sentido estar no registro audiovisual de forma a assegurar um bom recorte narrativo que dê conta tanto da obra escrita e da ficção cinematográfica como também da experiência de imersão do espectador. Sem essa mínima condição, torna-se desafiador apreciar e elogiar a produção.
Considerando essa perspectiva, Malmkrog, recente filme do cineasta e roteirista Romeno Cristi Puiu, uma adaptação do livro Three Conversations, do filósofo Russo Vladimir Solovyov, é um "filme-exaustão". Ao longo de 3 horas e 40 minutos de duração, o diretor mantém um formato literário e filosófico bastante rígido e cansativo, desse modo, perde a força narrativa da palavra escrita e falada ainda que mantenha um excepcional trabalho de mise en scène.
Essa intensa dicotomia texto escrito x imagem audiovisual é construída em um longa que conserva, exaustivamente, o discurso da palavra. Não há quase nenhum respiro que facilite essa imersão nas muitas linguagens. São variados planos nos quais cinco personagens filosofam sobre guerra, política, sociedade, cultura, moralidade, religião, morte, entre muitos discursos entrelaçados que são narrados através de capítulos. Esses diálogos são longos, perspicazes e profundos, porém o roteiro do filme não facilita a imersão na obra porque não se pensou na possibilidade de que, para refletir sobre temas bem complexos e amplos, é preciso que o público possa mentalmente respirar.
Assim, diferente da Literatura, Sociologia e Filosofia, enquanto obras escritas (livros) e campos de saberes multidisciplinares, que permitem ao leitor se debruçar no texto de forma livre, desprendida de qualquer preconceito e categorizações, na obra cinematográfica, a palavra pode ser usada como um facilitador ou não do discurso e da reflexão social. Em Malmkrog , o diretor pensou mais em si e em converter o livro em audiovisual.
Dada essa característica, Cristi Puiu não pensa no público e apresenta um filme bastante cansativo no desenvolvimento narrativo, mesmo que não julgue a história em si e deixa os variados questionamentos dos personagens para a reflexão do espectador. Seu filme é como um cárcere do tempo, também preso ao próprio roteiro. Se o espectador fazer alguma digressão durante a exibição ou, ao menos piscar, perde-se bastante das idéias, experiências e pontos de vista ali compartilhados.
Se por um lado, manter essa rigidez em exaustivos 200 minutos de projeção acaba fragilizando muito da potência reflexiva do texto literário na tela grande, por outro lado, não se pode negar que o trabalho de mise en scène é milimetricamente bem construído como atemporais pinturas em cena. Nesse aspecto, o diretor é bastante competente e tecnicamente exigente. Ele realiza um vigoroso trabalho de composição dos planos, movimentação de personagens na casa, design de produção e enquadramentos como planos médios e close ups, além de bom uso de profundidade de campo e do som fora do plano.
Por fim, como "filme - exaustão", esse é o tipo de narrativa que é melhor apreciada em uma sala de cinema, longe de qualquer distração, tanto para ampliar a compreensão dos diálogos verborrágicos como também para contemplar o trabalho de construção da mise en scène. Em um streaming, a experiência é traumática.
Fotos: Cortesia Reprodução Mostra SP para imprensa credenciada
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