Nos últimos anos a produção cinematográfica internacional tem revelado bons diretores durante a Mostra que capturam um olhar cinem...

Mostra 2014: A ilha dos milharais (Simindis kundzuli / Corn Island) - 2014






Nos últimos anos a produção cinematográfica internacional tem revelado bons diretores durante a Mostra que capturam um olhar cinematográfico contemplativo na direção e muito associado a uma excepcional fotografia. Andreï Konchalovsky e o seu híbrido de ficção e documentário Cartas brancas de um carteiro e George Ovashvili, a mais recente revelação da República da Geórgia com a sua lírica obra prima A ilha dos milharais (Corn Island), realizaram primorosas direções com a fotografia e a natureza como parte do ciclo da vida. Seu elenco usa poucas palavras e a magnífica narrativa visual se encarrega de contar a história. 


Ilha dos Milharais é o segundo longa metragem de Ovashvili  e chega ao público com muita sofisticação e um autêntico Cinema Arte, fazendo jus ao berço do Cinema Russo e às referências de Eisenstein na construção de uma filme como expressão artística e com essencial montagem. O minimalista longa é a representação atemporal da criação e destruição da vida, que é feita de ciclos tanto da natureza como do homem. A história ocorre no Rio Enguri, fronteira entre Geórgia e a República separatista de Abecásia. Toda primavera o Rio leva o solo fértil do Cáucaso à essa região formando pequenas ilhas. Um idoso agricultor (o ator Turco  Illyas Salman) começa a construir uma casa e cultivar milho em uma ilha. Acompanhado da jovem neta  (Mariam Buturishvili) que o ajuda e representa o despertar da juventude ,  a narrativa é toda construída visualmente com um trabalho fantástico de movimentação de câmera que flui em sua plenitude e rigor técnico, age como protagonista ora se distanciando ora se aproximando como a singela e suave natureza, desta forma, levando o público a acompanhar a criação desse lar. Muito além do que a casa construída, Ovashvili enquadra planos de uma expressiva força narrativa com uso de uma fotografia que revela um novo começo para essa família.


Por ter uma característica muito visual, o filme exige uma maturidade expressiva dos atores e, nesse aspecto, o impacto  dos personagens é  muito positivo, principalmente considerando que o primeiro diálogo se dá aos 20 minutos de projeção e o outro somente em quase 1 hora.   Um filme com alicerces em uma narrativa muito mais visual exige bons atores. Salman tem a dedicação, seriedade, as poucas palavras e as marcas do sofrimento em seu rosto. Buturishvili tem uma excelente performance porque sua beleza é virginal, intocada, prestes a despertar para a vida. Ao mesmo tempo, tem uma atuação dramática com forte expressividade na fotogenia, afinal sua juventude está ali ligada ao silêncio das águas e do próprio avó.  Olhares e gestos são absorvidos pela tela grande e a fotografia mais uma vez com a câmera a revelar seus esforços, como comem, como dormem, como se banham, a vida ali está. Apesar dos silêncios prolongados, a direção é tão competente que palavras não são necessárias e nisso está muito da beleza dessa joia rara do Cinema atual.






O diretor também assina o roteiro e agrega ao longa a tensão histórica da região de forma muito inteligente e perspicaz sem afastar a narrativa de seu efeito contemplativo e sereno. Abecásia declarou independência após a guerra civil (1992-1993) e no longa surgem manifestações desse conflito. Personagens coadjuvantes aparecem como uma forma de indicar ao público que ali há uma referência histórica e levar à reflexão do porquê construir uma casa em uma zona de conflito, em uma terra sem documento, em transição e dividida entre inimigos.  Essa metáfora da construção de um lar por um velho e uma jovem nessa região é genial e coopera para refletir sobre a transitoriedade das coisas, dos direitos à terra e finalmente sobre o ciclo da vida. O velho homem e sua jovem neta vivem como se estivessem em um território neutro, abertos a dar atenção a Georgianos e Abecásianos, tornando tudo mais belo na proposta. Mais ao final, em um dos momentos mais brilhantes e sensíveis do filme, o diretor cria uma metáfora incrível sobre esse processo unindo os protagonistas e  toda a natureza circundante em uma poderosa representação poética da força da imagem cinematográfica e sua magnífica capacidade de conexão com o homem. Sublime!




Ficha técnica do filme ImDB A ilha dos milharais


Um comentário:

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Cristiane Costa, MaDame Lumière

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