O Cinema Iraniano tem sido um excelente laboratório da dramaturgia audiovisual para analisar como fazer cinema de qualidade apesar da repressão à liberdade de pensamento imposta pelo regime do país. Depois do aclamado, Uma Separação, de Asghar Farhadi, novos diretores têm se empenhado em lançar seus filmes, criando metáforas e analogias para levar o público à uma reflexão e testemunhar realidades do Irã que se refletem na vida das pessoas.
Na nova leva de diretores está Safi Yazdanian, que lança seu primeiro longa metragem Que horas são no seu mundo? e traz dois conhecidos atores do Cinema do país e que já trabalharam com Asghar Farhadi: Leila Hatami, a consagrada atriz de A Separação, e Ali Mosaffa que atuou em O passado. Na história, ela é Goli que retorna ao Irã após viver 20 anos na França. Ele é Fahrad, um velho amigo que tem uma loja de molduras. Ela não o reconhece mas ele parece conhecê-la bem. Todo o filme trabalha com as memórias de uma mulher que deixou o Irã e retorna como se fosse uma estranha. Ela tem que lidar com a questão da identidade e, para tornar o roteiro mais interessante, Fahrad é esse homem que nunca se esqueceu dela, fato que garante belos momentos mais ao final. Com a experiente atuação de Leila e Ali, o filme é mais uma opção para conferir como esses atores transmitem credibilidade e segurança ao atuar no Cinema de um país tradicional e como estão ficando mais próximos do público a cada novo longa.
Como a maioria dos filmes Iranianos que abordam o indivíduo versus sua cultura, tradição e costumes, esse é um longa que não é fácil de identificar as motivações do seu diretor principalmente na escolha de certos planos que não são lineares e parecem metáforas mais profundas sobre um tipo de Cinema que não pode dizer tudo abertamente; se por um lado, isso parece difícil para um público ocidental, por outro lado, acompanhar a trajetória de Goli é como se colocar na situação dela e analisar até que ponto o Irã simbolizaria a sua identidade atual. O desafio não é só reavivar a memória mas constituí-la com a reformulação da própria identidade com o local. Nesse aspecto, há planos que são realizados para recordar a mãe falecida, o amigo da infância, os amigos. Em alguns momentos, ela entra em choque com o que os conhecidos falam; em outros momentos, ela mesma se incomoda com lembranças das perdas ou de simplesmente ter certa obrigação de lembrar de coisas há muito tempo esquecidas.
Diferente de outros filmes de produção Iraniana com narrativa mais dramática e diálogos mais claros e de embate, esse é um filme mais contemplativo e que exige um expectador mais observador por duas razões: a primeira é a função dramatúrgica de Goli, que não deixa de ser uma mulher misteriosa para o público. Quem é essa mulher? Como foi o seu passado? O que ela pensa sobre seu país agora? São perguntas comuns a se fazer durante a projeção. Fahrad nos ajuda a compreendê-la um pouco mais e, mesmo assim, ele é um homem estranho, contido, acanhado e tem sentimentos de afeto por ela, o que também dificulta a análise. A segunda razão é a fotografia magnífica do Cinema Iraniano e como ela é composta na elaboração dos planos . Há planos que a imagem é construída de uma forma muito original e primorosa, com um trabalho de luz muito bem aplicado e uso sofisticado de duas ou mais câmeras, como por exemplo: uma cena em que está chovendo e Goli está dentro do carro conversando com outra pessoa.
Exemplos como o mencionado afirmam que uma das belezas desse Cinema é a utilização de locações e fotografia bem originais que levam o público ao tempo e ao espaço da narrativa com uma experiência completamente diferente. Assim como Abbas Kiarostami em Gosto de Cereja, Safi Yazdanian utilizou como diretor de fotografia Homayoun Payvar, que fez um fascinante trabalho. Quando diretores do Cinema Iraniano não podem falar tudo o que pensam, eles usam a imagem de uma forma muito mais expressiva e poderosa.
Ficha técnica do filme ImDB Que horas são no seu mundo?
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