É renovador quando um diretor Brasileiro une as pontas de um cinema com códigos da coletiva realidade social e política do país com um drama pessoal de uma heroína em busca de si mesma e ainda inclui sua marca, que recupera referências do Cinema dos anos 70, cultura POP e muito sarcasmo . Isso traduz um dos grandes acertos do novo longa de ficção de Daniel Aragão, cineasta Pernambucano, conhecido por Boa Sorte, meu amor e que, agora, está de volta com um filme que é uma insana jornada da vida de Joli (Bianca Joy Porte), a filha de Antônio (Zé Carlos Machado), deputado e pertencente à uma endinheirada família do Recife. Ela apresenta problemas psiquiátricos e, após sair de uma clínica de recuperação e considerar-se curada, ela quer retomar sua vida e recomeça-la de forma independente. Uma das primeiras cenas, com o psiquiatra, interpretado por Luiz Carlos Miele dá a dica de sua incapacidade de recuperar a sanidade, um tom que permeará o drama da bela e jovem Joli.
Todo o filme é construído com boas referências, inclusive as que ressaltam o trabalho da heroína, como por exemplo, a de Tarantino. Ao ver Joli dirigindo o seu carro e tendo acessos de fúria, não há como não lembrar de Kill Bill. Nos primeiros planos, é evidente o humor do filme, instável e como uma viagem psicotrópica: a trilha sonora é perturbadora e a atmosfera é envolta em certo aprisionamento e pessimismo. Por outro lado, com uma escolha pertinente, o cineasta varia a palheta de cores, a saturação da fotografia e uma boa montagem que coloca a protagonista em momentos de sonho e liberdade, o que pode ser uma esperança, um caminho. Esse equilíbrio de sensações e percepções que o filme provoca entre a insanidade, a realidade sócio-política do Recife, o contexto familiar ligam o expectador à essa atmosfera de forma a suavizar um pouco mais o longa e não deixá-lo pesado ao extremo. O filme se torna um belo exercício de como a narrativa é desenvolvida através de uma boa decupagem. Assim, houve um bom senso no tratamento das imagens já que, sendo mais cult e sarcástico, o filme ainda está inserido em uma comercial realidade cinematográfica no Brasil que não está acostumada a esse tipo de provocação. Com isso, o diretor demonstra ter coragem de fazer o que deseja e equilibrar certas escolhas, o que só ressalta a excelente qualidade do Cinema Pernambucano que tem se destacado nos últimos anos.
O longa tem uma forma muito corajosa e não convencional de como fazer o Cinema Nacional. Nesse aspecto, ele tem um approach cult que trabalha com uma protagonista disfuncional e que não se encaixa na sociedade.
Esse aspecto de trazer uma heroína que tenta se libertar das amarras sociais e familiares e ser ela mesma gera uma reflexão libertadora para o público, principalmente para os que não concordam em como os, digamos, autênticos são mal compreendidos. Por mais que ela seja "doida", a gente torce para que ela entre em seu carro antigo, dirija pela estrada até se libertar do namorado puxa saco (Sérgio Marrone) e o pai sufocante e cheio de culpas que ela tem. Ele também tem traz uma dicotomia interessante e bastante controversa: Joli tem histórico de uso ilícito de drogas (o que é proibido) mas ela toma estabilizadores de humor (o que é liberado). Mais ao final, com os imperdíveis créditos, o diretor brinca com essa situação e realiza uma excelente colagem, com bom humor. No geral, há situações que são tão sarcásticas que fazem com que se analise melhor o que o diretor quis dizer e procurar nossas próprias respostas. Há momentos dramáticos que dão muita vontade de rir. Certamente, esse é um filme que fica na mente por uns dias como uma droga injetada.
Prometo um dia deixar essa cidade vale a pena ser visto. Essa fusão do social e político do Recife com uma protagonista que é forte, mesmo em sua fragilidade, exige um papel mais ativo e degustativo por parte do expectador. O longa tem várias qualidades, ainda que possa não agradar o público que prefere Cinema de Hollywood, ele terá seus apreciadores. Muita da qualidade do filme está em 3 aspectos principais: a direção de fotografia de Pedro Sotero, o mesmo do premiado Som ao Redor. A fotografia tem vida própria, sempre muito ligada à personagem e sua trajetória. O trabalho de Sotero fica mais assertivo à medida que se percebe como o cineasta realizou a decupagem, desta forma, fotografia e direção formaram uma boa dupla. O segundo aspecto é a atuação magnífica de Bianca Joy Porte que evoca o drama entre a tentativa de voltar à saúde mental, se inserir em uma sociedade de aparências e apoiar o pai em uma campanha política de inverdades. Ela é uma atriz interessante e com personalidade em cena: tem uma presença de imagem forte com aquele belo cabelo ruivo e discreto sotaque nordestino. Ao mesmo tempo, ela é acessível, insana e divertida. É possível criar um rápido processo de identificação com ela e Bianca torna as coisas mais fáceis pois tem carisma. Ela também teve coragem de aceitar esse papel, que não é fácil e só ressaltou o seu claro talento entre as novas atrizes do Cinema Nacional. Para finalizar, o último aspecto é como o roteiro trabalhou elementos pessoais e sociais. Ao assistir ao filme, é bom chegar à conclusão de que o roteiro não se esqueceu do Recife e de impor esse aspecto regional tão importante ao Cinema Pernambucano e que o faz ser um dos melhores do país.
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