O primeiro longa de Leonardo Lacca traz a força do Cinema Pernambucano e sua ousadia em trabalhar a linguagem cinematográfica com uma forte presença da imagem que substitui as palavras, inovando mais o cenário contemporâneo do audiovisual brasileiro. Esse trabalho é como uma continuidade do curta-metragem Décimo segundo (2007) e tem a sutileza dos silêncios, gestos e frases não ditas através de uma história bem interessante que aborda a transitoriedade das relações, sejam elas fugazes ou de longa data. O fotógrafo Ivo (Irandhir Santos) chega à São Paulo para realizar uma exposição e se hospeda na casa da ex-namorada interpretada por Rita Carelli e que está casada com outro homem, Mauro (Silvio Restiffe). A situação é tão estranha que abala o clima e há momentos de tensão e incógnitas, desta forma, o público é convidado a observar como eles agem, como verbalizam, como se olham, entre outros.
A ideia é, no mínimo, original para o Cinema Nacional. Colocar ex-namorados e o atual marido em um mesmo plano causaria um mal estar até nas melhores famílias; porém o mais importante nesse filme é observar como as pessoas reagem através de seus silêncios e como que, de certa forma, Ivo e Rita lidam com sentimentos que deixaram um rastro de permanência que, na prática, já passou. A comunicação entre personagens do filme é muito mais dirigida através dos olhares, dos toques e dos rastros de memórias e relações não resolvidas, inclusive é muito bem acertado como o diretor seleciona bem os planos mais fechados e outros recursos como incluir a fotografia que substituiu a narração falada quando as pessoas já não são mais capazes de dizer o que pensam e sentem, a inclusão do sexo casual e da traição como aspectos da fugacidade de momentos e também o uso de boa trilha sonora dramática que preenche os espaços quando as pessoas não conseguem se expressar ou sabem que não é possível concretizar desejos e vontades. Dentre os recursos, a trilha e o som foram excelentes escolhas e sustentam bem o efeito dramático do filme quando aparecem.
Além da sempre ótima presença de cena de Irandhir Santos, a escolha dos atores Rita e Silvio foram boas porque ela tem o jeito de ex-namorada que se tornou amiga e não trairá o marido, por mais que demonstre vontade e seja capaz de deixar o ex abraça-la e tocá-la. É o tipo de mulher dividida que prefere segurar o desejo e essa característica de Rita dá tensão à narrativa pois a pergunta é: Quem é ela de verdade? Ela terá coragem de trair o marido ? Por que teve coragem de hospedar o ex-namorado na frente do esposo? No mínimo, ela é esquisita ou mudou muito e já não é a mesma mulher radiante da juventude. Silvio Restiffe atua com um jeito de marido sem graça, sem sex appeal, sem emoção e que, mesmo sendo boa pessoa, ele deixaria qualquer mulher entendiada no casamento. Ele é o oposto de Ivo que já tem um carga de masculinidade e safadeza implícita.
Permanência é um filme de difícil realização por conta de que há uma complexidade dramatúrgica nos personagens que é mostrada na imagem e silenciada nos diálogos, além de trazer um tema mais universal que, com isso, enfatiza que Leonardo Lacca tem potencial para trabalhar temas da condição humana. Após a experiência com o filme, a impressão que dá é que poderia ter havido um melhor equilíbrio no desenvolvimento dos personagens com um roteiro mais falado ou com situações mais marcantes. Por outro lado, a característica autoral do diretor e sua coragem em desenvolver um filme com essa característica agrega muito valor à plateia, que poderá perceber que o filme é muito verdadeiro em como reagimos em situações como encontrar um ex-amor ou ter uma relação sexual sem compromisso, em como lidar com nossas memórias, emoções e contradições. Nada é permanente e nem tudo precisa ser dito, basta a cada um de nós as lembranças e os silêncios das experiências vividas.



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Cristiane Costa, MaDame Lumière