Vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes, As maravilhas é o segundo longa de ficção de Alice Rohrwacher em uma colaboração com produtores da Itália, Suiça e Alemanha e resgata a tradição das famílias de fazendeiros locais da Itália e a cultura Etrusca. A narrativa tem uma mistura de fábula com realismo e apresenta a história de uma família de apicultores que convive com a forma tradicional do estilo de vida local x as novas possibilidades de vivenciar as experiências mais contemporâneas como ganhar um prêmio em um programa de TV, realizar uma viagem e aproveitar chances de ganhar dinheiro mais fácil. É uma família peculiar com características disfuncionais, composta pelo rígido pai de origem alemã ( Sam Louwyck), a mãe Angélica (Alba Rohrwacher), a filha primogênita Gelsomina (Maria Alexandra Lungu), a filha do meio Marinella (Agnese Graziani), duas filhas menores e a tia Cocò (Sabine Timoteo).
O longa expõe os esforços da família para trabalhar e sobreviver com a produção de mel e é muito realista na maneira como foi dirigido. É como pegar a câmera, tornar o roteiro o menos planejado possível e observar a rigidez do pai ao colocar todas as filhas para trabalhar, principalmente Gelsomina que é a cabeça da casa apesar da pouca idade. Ela é a representação da jovem que não teve a infância desejada. Ela continua trabalhando na adolescência em um esforço arriscado e duro como o de trabalhar no meio de abelhas e ser picada a qualquer momento. Com a ótima atuação de Louwyck, seu pai é um homem trabalhador para o qual o trabalho é a prioridade número 1. Ele confia integralmente em Gesolmina o que evidencia o peso da responsabilidade imposto sob ela. Ele também tem dificuldades de comunicação adequada com os filhos, tanto que em uma das cenas mais interessantes e na qual ele tem uma exposição midiática, fica evidente seu próprio drama pessoal de ser um homem das antigas, não acostumado à nova postura exigida pelo mundo contemporâneo.
O contraponto entre Gesolmina que desperta em si o desejo de realizar suas próprias vontades e o seu tradicional pai aprofunda um pouco mais a história e a dramaturgia dos personagens. Consequentemente, esse filme é muito bonito na proposta da jovem protagonista. Ela é como uma heroína juvenil que precisa ter um sonho, tentar realizá-lo e voltar as origens. O longa revela como ela é uma garota comum e mais tímida, mas capaz de liderar o negócio da família e ser confiável. Em muitas cenas, ela é solicitada como uma pessoa que decide e com a qual o pai se importa. A inclusão de um prêmio de TV chamado "País das maravilhas" traz mais dinamismo à narrativa e tira Gesolmina de sua zona de conforto. É possível sonhar ao ver os cabelos de fada e beleza da apresentadora Milly (Monica Belucci). É possível sonhar ao arriscar-se em uma premiação que pode tirá-la dali. É possível sonhar ao ver uma chance de ganhar um dinheiro adicional e melhorar o negócio da família.
Apesar de que há uma atmosfera triste, quase trágica em seu dia a dia pois revela a sua juventude solitária sob as rédeas de muito trabalho e responsabilidades, Gesolmina é uma protagonista que reacende o sonho e as metáforas emblemáticas em cena como, por exemplo, a sua relação com as abelhas capazes de dar-lhe o sustento, de picá-la e de caminhar em seu rosto como uma poesia visual. Assim, o filme nos apresenta essa fábula interiorana com seus momentos líricos e realistas, com uma jovem que tem nome nascido no Cinema Italiano da saudosa Giulietta Masiva. As cenas são possibilidades de entrar no mundo de Gesolmina e se perguntar : será que existe um país das maravilhas? Onde estão nossas verdadeiras maravilhas?
Ficha técnica do filme ImDB As Maravilhas
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