A Pequena Casa (The Little House) do cineasta japonês Yoji Yamada é uma daquelas joias preciosas do Cinema Asiático e que faz justiça à excepcional qualidade de direção de seu realizador, ligando as pontas da tradição e história japonesa à produção atual. Com a mesma lealdade aos valores japoneses, a mesma sutileza do texto e a real entrega a um passado que pode ser mimetizado na contemporaneidade do Cinema, Yamada, que também dirigiu o remake do clássico de Ozu, Uma família em Tóquio, dirige uma bela história com camadas que unem a trajetória entre guerras do Japão e destaca esse personagem que vai além de uma arquitetura: uma pequena casa com telhado vermelho e ares bucólicos onde viveram os personagens da história.
O filme é um melodrama histórico que relata as memórias de Taki, uma senhora idosa que escreve sua biografia como empregada doméstica e babá da família Hirai na antiga Tókio. O longa se divide em 3 tempos distintos de narração: A jovem Taki (Haru Kuroki) trabalha na casa da bela Sra. Tokiko Hirai (Takako Matsu) e do Sr. Hirai (Takatarô Kataoka), um executivo do ramo de brinquedos. Em outra camada, interpretada pela atriz Chieko Baishô, ela está relatando suas memórias ao sobrinho Takeshi (Satoshi Tsumabuki) e em outra parte, já falecida, o sobrinho encontra os seus escritos. De uma maneira muito bem recortada, Yamada e sua parceira de roteiros, Emiko Hiramatsu, entrelaçam o drama pessoal de Taki, sua mudança para Tókio, o cotidiano da família Hirai e a história do Japão com algumas referências que impactaram como os japoneses reagiram às guerras e como esses contextos afetaram aspectos intimistas dos personagens. Com esse elenco preciso e cativante, Yamada demonstra mais uma vez ser um excelente diretor de atores, estar em excelente forma no auge de seus 83 anos e é um realizador que valoriza seu país e a capacidade do Cinema realizar a ponte entre o público e o Japão.
O filme é muito aderente à nobreza do povo japonês e, esta aí a sua primordial beleza. Ele se desenvolve de forma muito simples até culminar em uma emoção que explode, ainda que discreta. Com sutil humor, gestos delicados de dedicação à família, sentimentos escondidos e muitas vezes silenciados, a história de Taki é um exercício de Cinema Japonês para o público. É também cativante à medida que evoca perspectivas femininas que funcionam muito bem para o melodrama de mulheres devotas à uma época de Japão no qual os homens partiam para a guerra, tentavam sobreviver em seus ofícios ou eram donos do próprio negócio lutando para competir e sobreviver. Nesse sentido, existe uma complexidade muito inerente às personagens de melodramas japoneses, contida em suas próprias emoções, que é a sua capacidade de ser, ao mesmo tempo, tão acessível e tão misteriosa. Na maioria das vezes, as emoções são catalisadas em silêncios e lágrimas, discreta quebra de regras e desabafos que guardam em si algum desconforto.
Como destaques, elenco, fotografia e direção, principalmente as tomadas internas realizadas na pequena casa, uma residência que é um dos evidentes protagonistas ao testemunhar a bela história dos Hirai e a dedicada entrega de Taki àquela família. Com relação ao elenco feminino, ele é o alicerce da história e é a representação do carisma, tanto que, em uma das falas do personagem, Sr. Itakura (Hidetaka Yoshioka), designer da empresa do Sr. Hirai e amigo da família, fica claro o porquê de ele ir para a guerra. Muito mais do que uma simples fala, ali está representado também um dos grandes valores desse filme: suas mulheres. O filme é belíssimo em como a atriz Haru Kuroki, vencedora do Urso de Prata do Festival de Berlim, tem uma atuação de total devoção, da bondade ao servir e ao incondicional amor e lealdade que ela tinha àquela casa e família. Com muito pouco texto, ela consegue representar o poder da imagem cinematográfica que, muitas vezes, dispensa palavras. Basta sentir e honrar essa imagem pois assistir a Yamada também é um ato de devoção, lealdade e respeito ao Cinema Japonês.
Ficha técnica do Filme : ImDB A Pequena Casa
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