Estreia nos cinemas: 27 de Agosto
Por Cristiane Costa
Uma das melhores virtudes de filmes de ficção científica e distopias é a possibilidade de narrar boas histórias que nos façam refletir sobre a divisão de classes sociais e facções, formas totalitárias de poder e conflitos pela justiça, liberdade e sobrevivência. No premiado longa-metragem Coreano de Joon-ho Bong (de "Mother - A Busca da Verdade" e "O hospedeiro") e que tem como um dos produtores o consagrado Chan-Wook Park ( de "Old Boy", "Lady Vingança") a sobrevivência é uma necessidade vital . Ela é a base motivacional tanto para o poder dominante do ambicioso vilão elitista como para o senso de justiça e redenção do líder libertário e miserável. Dessa forma, o longa é um das ficções científicas de ação mais sedutoras que surgiram nos últimos anos na qual vale mais a viagem pela sobrevivência, a jornada do herói, a coragem e a batalha da humanidade reacionária do que que propriamente o destino final.
Adaptada do HQ Francesa "Le Transpercenige"(1982) de Jacques Lob e Jean-Marc Rochette, a história é um sci-fi ambientada em um mundo pós-apocalíptico e dominado pelo gelo após uma catástrofe ambiental. Os poucos sobreviventes vivem confinados em um trem, o Snowpiecer, que circula de forma ininterrupta e do qual eles não podem escapar de maneira alguma, sob o risco de morrer. O trem é dividido em diferentes classes sociais e é dominado pelo seu idealizador, o ditador Wilford (Ed Harris), um homem que vive na dianteira do trem, longe e isolado. Mason (Tilda Swinton) é um tipo de supervisora e cão de guarda do trem que, a mando de Wilford, circula nos vagões e dá ordens para manter a ala dos pobres sob controle e disciplina. Do outro lado está Curtis (Chris Evan), um líder nato e confiável que vive junto aos miseráveis no último vagão do trem a longos anos. Além do desejo de liberdade, ele tem uma dívida pessoal que pesa na sua consciência desde um fato ocorrido no passado. Apoiado por companheiros como Gilliam (John Hurt), Edgar (Jamie Bell), Tanya (Octavia Spencer) e pelo especialista Namgoong Minsu (Kang -ho Song) e sua filha Yona (Ah-sung Ko), Curtis executa um plano revolucionário para tomar o trem.
Expresso do Amanhã é imperdível e tem o DNA do excelente Cinema Coreano que tem um alto nível de qualidade em narrar conflitos com violências física e psicológica. O crescente clima de suspense , a massacrante repressão e condição de prisioneiros, a dolorosa realidade de fome, pobreza e injustiça são elementos que mobilizam cada vez mais o envolvimento do público com o drama, assim como a bela cinematografia e ritmo imposto pela movimentação da câmera, enquadramentos e cortes que compõem uma inspiradora combinação de épico com ficção científica. O roteiro nos prepara vários elementos surpreendentes à medida que a revolução é marcada por violência, perdas e descobertas, ao mesmo tempo, nos coloca muito próximos à uma realidade dramática de desigualdade social e manobras políticas ditatoriais para manter o trem em funcionamento e a humanidade sob controle.
O toque de Midas do diretor Joon-ho Bong foi exatamente sua capacidade criativa de decupar planos plasticamente impecáveis que dão conta desse microcosmo social, caótico e futurista. Para isso, ele trabalha muito bem como o regente de uma grande orquestra, harmoniza os diferentes tons da violência bruta e desesperadora com as cenas dialogadas, introspectivas e silenciosas, combina um estilo preciso para direção de cenas de ação rápidas com movimentação de câmera em slow motion em um espaço bem fechado e claustrofóbico. A direção de arte de Ondrej Nekvasil e fotografia de Kyung-pyo Hong acompanham a mudança de ambientes no trem e, com um trabalho consistente de composição dessa ambientação, fica perceptível para o espectador as diferenças sociais entre pobres e ricos. O filme ainda conta com o talento de Marco Beltrami, experiente compositor em scores de sci-fi e distopias como Wolverine Imortal, O Doador de memórias, Eu, robô e Exterminador 3.
Nessa jornada exaustiva e caótica, Chris Evans e os demais personagens têm boas evoluções no desenvolvimento da história. Cada um tem seu espaço no trem, em outras palavras, há brilho para todos e é um elenco que trabalha de forma bem harmoniosa e oferece diferentes possibilidades de atingir as emoções da audiência tanto no drama como no humor. Como destaques principais: Tilda Swinton, Chris Evans, Namgoong Minsu e Ah-sung Ko garantem bons momentos. Tilda Swinton é costumeiramente uma atriz competente e brilhante em seus papéis. Ela encarna um híbrido personagem que combina vilã com características cômicas. Sua transformação física a deixa com uma aparência tola o que é bem favorável para ridicularizar a função de quem tem usa o poder dos outros para repreender, machucar e matar as pessoas. Já Chris Evans está totalmente imerso no papel , transita bem entre a virilidade de um herói, a força da liderança e sua vulnerável condição de ter que vencer os demônios pessoais, acreditar em si mesmo e chegar até Wilford para reivindicar liberdade, igualdade e justiça. Namgoong Minsu e Ah-sung Ko, respectivamente como pai e filha, vêm a somar um toque Asiático no elenco e são personagens essenciais para algumas cenas que viram o jogo e são determinantes para o fluir da história.
Sob a perspectiva de estrutura e conteúdos da história e o que ganhamos com isso, o longa tem uma beleza ímpar e bastante contemporânea ao evidenciar que o mundo não é perfeito nem agora e muito menos em um futuro pós apocalíptico. Embora haja esperança na narrativa, a sabedoria dos roteiristas foi adaptá-la com a inclusão de elementos ficcionais que também são realistas ao denunciar como a sociedade é e funciona. Acima de tudo, Expresso do Amanhã é sobre viver e sobreviver. A humanidade sempre teve que lidar com diferenças sociais, com injustiças, guerras, mortes e poder que estabelecem estratégias de manutenção de uma ordem social, econômica e política que visa acentuar, ampliar e perpetuar os níveis de desigualdade social. Esse é o sistema que temos que lidar todos os dias, portanto, Snowpiercer é uma metáfora desse sistema. É um filme fantástico que articula variadas nuances desses conflitos e consegue alinhar entretenimento leve de blockbuster com inteligência, crítica e reflexão.
Ficha técnica no ImDB Expresso do Amanhã
Distribuição: Playarte Pictures
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