Semana do Terror e Horror MaDame Lumière
25 a 31 de Agosto
Um riso nervoso nunca é demais!
Por Cristiane Costa
É natural dar certo parcerias entre profissionais do Cinema que já trabalharam juntos ou demonstram propostas e visões artísticas similares na concepção de um filme, têm boa química na produção, execução e distribuição de determinados tipos de gêneros e conseguem manter certa identidade do Cinema local e sair do lugar comum. Neste aspecto, os produtores Carolina Bang e Álex de la Iglesia não são parceiros apenas no casamento, eles dividem a produção do horror espanhol "Shrew's Nest" (Musarañas, 2014), primeiro longa-metragem de Juanfer Andrés e Esteban Roel. Na escalação do elenco, os produtores repetem a parceria com Macarena Gómez e Hugo Silva ("As bruxas de Zugarramurdi"), trabalham com Nadia de Santiago, indicada à melhor atriz revelação por "Las 13 Rosas" no Goya Awards 2008, e contam com a presença do excelente Luis Tosar, um dos atores que se destaca como vencedor de vários Goyas, entre os quais melhor ator em "Celda 211" e "Te doy mis ojos".
Com essa equipe de confiança, Álex de la Iglesia passa o bastão da direção para diretores jovens e talentosos e assume a produção executiva em um projeto que tem a sua cara. Uma atitude positiva para circular sangue novo na veia do Cinema Espanhol. Caso quase similar aconteceu com o roteirista Oriol Paulo que trabalhou com Guillem Morales em "Os olhos de Julia" e, posteriormente, assumiu a direção e o roteiro de seu primeiro longa-metragem, "El Cuerpo", um eletrizante suspense de tirar o fôlego. Com parcerias evolutivas como essas, a Espanha é um dos países que melhor produzem filmes independentes com uma marca e estilo muito próprios para esses gêneros e com baixo orçamento. Assim como Guillermo del Toro, Álex de Iglesia é referência no país para filmes que exploram o suspense, o horror, a fantasia, o drama e o humor negro. Em "Musarañas"semelhante qualidade se repete.
Ambientada na Madrid dos anos 50, a história combina horror e drama com uma proposta que enfoca uma protagonista monstruosa. Ela é Montse (Macarena Gómez), uma mulher psicologicamente perturbada que sofre de agorafobia e é viciada em morfina. Mesmo trabalhando como costureira, ela tem raro convívio com as pessoas. Trancada em sua casa e incapaz de vencer a barreira imposta pela doença, ela é controladora e instável e não deixa a jovem irmã La Niña (Nadia de Santiago) ter uma vida comum e desabrochar para novos relacionamentos. Solitária, Montse tem que conviver com um drama pesado do passado. Com um assustador comportamento psicótico, ela está obcecada pelo vizinho Carlos (Hugo Silva) e todas as circunstâncias de confinamento que acontecem preenchem a tela com um clima de horror e desespero.
Para um primeiro-longa metragem, os diretores se deram bem por duas razões: a primeira é a surpreendente Macarena Gómez, que transita com bastante experiência entre a insanidade, o dramático trauma de um passado doloroso e a obsessão por um homem. A segunda é a direção que oferece picos de terror gore, com uma explosão de violência gráfica e sanguinária digna de fazer a audiência ficar horrorizada e dar risos altos e nervosos. Somado a isso, Macarena é o tipo raro de atriz que é cômica quando está sendo trágica. O personagem dela é digno de piedade, mas é extremamente cruel e louco. Ela tem uma atuação incrível no clímax quando encarna o verdadeiro terror. No seu encalço, está Luis Tosar, no papel de seu pai morto. Embora com poucas aparições e de raras palavras, ele tem forte presença em cena, o que coopera para intensificar o clima de loucura e traz elementos narrativos comuns no gênero como fantasmas, assombrações, lembranças.
Se por um lado o elenco dá conta da qualidade, por outro, o roteiro tem altos e baixos, principalmente em comparação a outros tipos de mulheres insanas do Cinema que têm surtos de violência, decidem fazer reféns e tem mais espaço para desenvolver densidade psicológica na atuação. Se os roteiristas tivessem optado por desenvolver mais a proximidade entre Montse e Carlos e uma exploração dos requintes de crueldade através de diálogos e com menos impulsividade, o filme poderia ser mais interessante e tenso. A presença de La Niña em cena tira essa privacidade e um possível romance entre ela e Carlos surge como uma peça desnecessária ou solta na história. O ator Hugo Silva é mal utilizado e teria condições de contribuir com um melhor desempenho se tivesse tido o mesmo espaço que teve em "El Cuerpo". Para complementar, o roteiro tem um ponto de virada surpreendente e um tanto bizarro e repugnante que é entregue de forma abrupta.
É complicado emitir um julgamento sobre Montse pois ela é mentalmente doente, caótica, desequilibrada, entretanto, a atuação de Macarena Gómez e seus olhos assustados a torna uma personagem extremamente trágica, dessa forma, a combinação horror e drama projetada pelos diretores funciona bem. Com o ótimo trabalho de José Quetglás ("Labirinto de Fauno"), a preparação física da atriz com bom uso de makeup e cabelo traz ao público o estilo e visual da época com toques de uma mulher religiosa agarrada à penitência, solidão e loucura, características que também permeiam essa casa silenciosa, vazia e claustrofóbica. Assim, o filme é bastante sinistro. Incomoda por enfocar a monstruosidade de uma mulher que é, ao mesmo tempo, vítima e vilã. Seu controle sobre a irmã é doentio a tal ponto que La Ninã se esconde como um ratinho. É essa relação entre as irmãs que é metaforizada na palavra "Musarañas" (Musaranhos), pequenos roedores que ficam escondidos e são ferozes se provocados.
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