Embora o roteiro baseado na decadência de um solitário homem maduro, alcóolatra e com uma carreira no ralo não é inédito e se assemelha demais ao O Lutador de Darren Aronofsky, protagonizado por Mickey Rourke como "Randy "The Ram", um lutador sem eira e nem beira que volta aos ringues, Coração Louco é um longa-metragem que mantém uma atmosfera agradabilíssima (ainda que a história de vida do cantor seja uma lástima) e se diferencia por conta da música country, deliciosamente intimista e conquistadora até para ouvidos que não gostam de country americano e, da simpatia impressa no caráter de Bad Blake, magistralmente mais um papel inesquecível de Jeff Bridges que o interpreta com uma facilidade fora de série, somente possível a atores titãs em atuação, além disso, a forma deliciosa como as músicas são cantadas suavemente nessa excelente trilha sonora, a interpretação dele não só como ator mas como músico é fenomenal, em especial, em Hold on you e Brand New Angel. Já Maggie Gyllenhaal, como sua par romântica, combina perfeitamente com Jeff Bridges, em uma química que ultrapassa a relação amorosa em si. Uma química de amigos, de companheiros de um drama real cujas vidas precisavam se encontrar.
Bad Blake é um alcóolatra nato. Carrega aquela básica garrafinha porta bebida e o seu companheiro violão. Mal tem dez dólares para entrar em um bar e pagar seu próprio vício. Apesar de ser um viciado, é um homem que tem carisma. Charmoso, autêntico, um poeta ao violão. Durante o filme, as letras de suas canções são como relatos de sua própria vida, logo a música em Coração Louco é a evocativa expressão da dor dramática e outras variadas emoções de uma história de vida que, ao chegar à maturidade, enfoca um ser mergulhado na solidão, um ser que precisa de redenção, de um solução que o tire da decadência. Assim como o Ram de O Lutador que também é viciado em um tipo de droga para dar-lhe o vigor físico e a "pseudo-confiança" psicológica de encarar os lutadores mais jovens, o álcool em Coração Louco é mais um analgésico e um escape onde as mágoas e frustrações são afogadas. Sua vida começa a mudar quando ele encontra uma repórter de uma cidadezinha, Jean Craddock (Maggie Gyllenhaal, em excelente atuação) a qual ele concede uma entrevista no jornal local. Bad e Jean se envolvem afetivamente como se fossem duas almas solitárias que fazem companhia um ao outro. Ela é mãe solteira, vive sozinha com o filho pequeno e só se dá mal com os homens. Ele vê nela uma mulher que o aceita, que o ama e que acredita em sua música. Aliás, no plano do romance, o mesmo também se assemelha a O Lutador porque, Ram também encontra Cassidy (Marisa Tomei), a dançarina de boate que cria o filho sozinha e eles têm um affair. Da mesma forma, tanto Ram quanto Bad tem problemas com os filhos que foram abandonados por eles e tentam reecontrá-los para buscar o perdão e, talvez, a possibilidade de construir uma nova relação familiar. Bad Blake também tem mágoas passadas do (ex) amigo, o cantor country Tommy Sweet (Colin Farrell) o qual reencontra nos palcos (da vida) em mais uma reviravolta do destino.
Sob esse panorama, o argumento de Coração Louco não é nada criativo, porém a beleza realista do mesmo é que é um drama contemporâneo, uma temática sólida, cruel, necessária. Há vários Bad Blaks e Ram(s) no mundo e uma das piores coisas que pode acontecer a um ser humano é lutar, lutar e lutar em uma vida que sempre bate, bate violentamente nele(a). De maneira geral, as pessoas talentosas se frustram demais com a queda, e até mesmo quando muito trabalho e dedicação parecem não levá-las a lugar algum. Quem nunca se sentiu assim? Um coração louco, um lutador. A vontade de cantar a própria dor, de esmurrar o adversário. A vontade de ser perdoado, perdoar e se perdoar, de se dar mais uma chance e acreditar na vida, de vencer o medo e correr para um destino sereno, de esquecer de chamar-se de fodido(a) e a vida de vadia. Não é preciso ser experiente como Bad Blake para sentir-se assim, apesar que chegar a esse drama na maturidade é bem mais doloroso, como se a ampulheta do tempo tivesse sugado qualquer esperança de uma vida mais digna. Por outro lado, verdadeiramente, Coração Louco é otimista porque ele mostra que o amor pode mudar uma pessoa. Ela precisa amar alguém e/ou amar algo para amar a si próprio(também), são como amores complementares que a impulsiona a uma mudança pessoal. Bad Blake só tomou uma decisão transformadora quando pôs em risco aqueles que ele aprendeu a amar e quando acreditou em sua música além da trivialidade das performances em bares baratos. A mudança só veio quando ele acreditou que seria capaz de compor sua música novamente, quando ele assumiu os seus medos; e esse é um dos momentos mais catalisadores de Coração Louco, mais belos para mais uma boa tentativa de seguir a vida, ainda viva, ainda vivo.
Loucura é não se doar, de coração louco, a esse filme de um coração louco.
Título Original: Coração Louco
Origem: Estados Unidos
Gênero(s): Drama
Duração: 112 min
Diretor(a): Scott Cooper
Roteirista(s): Scott Cooper, Thomas Cobb
Elenco: Jeff Bridges, Maggie Gyllenhaal, James Keane, Anna Felix, Paul Herman, Tom Bower, Ryan Bingham, Beth Grant, Rick Dial, Debrianna Mansini, Jerry Handy, Jack Nation, Ryil Adamson, J. Michael Oliva, David Manzanares
And this ain’t no place to lose your mind
And this ain’t no place to fall behind
Pick up your crazy heart and give it one more try"
(The Weary Kind, de Ryan Bingham, canção tema de Coração Louco
e vencedora do Oscar 2010 de Melhor Canção)
Para ouvir a trilha sonora completa de Crazy Heart,
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concordo plenamente com sua posição aqui madame. Aliás, a comparação com O lutador não só é imperiosa como boa para oferecer a devida perspectiva à apreciação do filme. Na comparação, fico com O lutador que é melhor na minha opinião.
ResponderExcluirConcordo com as deferências que fez a Bridges (de fato o coração louco do filme) e Maggie, cuja indicação ao oscar foi merecidíssima. Mas trono a cravar: Colin Firth e George Clooney estavam melhores.
Beijos
Ótima crítica Madame !
ResponderExcluirQuero muito ver esse filme, apesar de saber de seus clichês. Ele me parece ser bom e pela sua crítica, bem, o filme é bem convidativo.
Olá,
ResponderExcluirComo estás?
Ah obrigado pela lembrança! mesmo não tendo o costume de inserir selos no menu, agradeço pela recordação! :)
Tenha uma ótima semana! bjos
Eu ainda não conferi este filme, mas minha maior curiosidade em relação à obra é mesmo para poder conferir a performance elogiada do Jeff Bridges. Se "Coração Louco" for um bom filme, por tabela, melhor ainda!!!
ResponderExcluirEste filme me tocou, logo de cara, pelo trailer.
ResponderExcluirSua resenha está no ponto, Madame, você, como sempre, extremamente afiada e gosto de suas análises sempre humanas e com sentimento.
Preciso ver, até pra conferir a atuação do Bridges, gosto dele desde os tempos de "a última sessão de cinema", rs...conhece este? veja e coloca aqui sua resenha..blah, você nunca acata minhas dicas, nunca vejo um filme que sugiro por aqui - sim, hoje estou reclamao! rsrs
Te adoro, viu?
E você já está lá, devidamente nas 'outras pimentas interessantes', será que agora eu retorno também ao meu posto de blog parceiro? rs
beijo