Enfocando o cotidiano de uma família suburbana Americana, o longa-metragem apresenta o casal Lester e Carol Burnham (Kevin Spacey e Annette Bening) que convivem em um casamente entediante, de aparências. Lester perde o emprego, atravessa uma crise de meia idade e é abatido por uma depressão, além de ter que lidar com sua incompreensiva e estressada esposa, uma mulher fingida que trabalha como correta de imóveis e que se torna amante de outro corretor, o galanteador Buddy Kane (Peter Gallagher). Carol e Lester tem uma problemática filha adolescente Jane (Thora Birch), rebelde e complexada, que nutre um ódio mortal pelo pai e não tem diálogo com a negligente mãe. Seu estranho e misterioso vizinho, Ricky Fitts(Wes Bentley) admira Jane em secreto, se apaixona por ela e eles começam a namorar. Ricky é traficante de drogas, e ironicamente, vive sob o mesmo teto e mando militar de seu rígido pai, Coronel Frank Fitts(Chris Cooper), um homem bem grosseiro, machista, tradicional. Para completar o contexto, Lester vive um momento 'lobo côroa que gosta de jovens ovelhinhas' e se encanta pela amiga de Jane, Angela Hayes (Mena Suvari), uma loira que segue o insuportável padrão: gostosa, fútil e arrogante que se acha a mais bonita e desejada das garotas, superior a todos.
Sorria, sua vida pode ser uma mentira!
A evolução da projeção é muito inteligente; muito em função da forma como o elenco foi concebido e como suas lamentáveis estórias se cruzam nesta formidável direção, cooperando, então, para ressaltar o melancólico desta sociedade que parece fadada a fracassos, perdas e frustrações. A começar pelo comportamento do 'herói' Lester que, cansado de fingimentos e do nada que a vida lhe proveu, se rebela e decide viver a vida loucamente, apertando a tecla 'dane-se todos'. Muda seu comportamento: dá uma bela resposta ao ex-empregador, daquelas que grande parte das pessoas amargam até a goela por não poder dizer a um chefe, começa a malhar muito e ficar mais atrativo, aceita um trabalho aquém de sua qualificação pessoal, se interessa sexualmente por uma mulher mais jovem e fuma uns baseados. Ele é um autêntico homem maduro em crise, e tais mudanças o tornam mais feliz mesmo que seja com data e hora de expiração. Sua ambiciosa esposa que, aparentemente e tão superficialmente se esforça em ser uma profissional diferenciada, é um tragédia particular cujas escapadas conjugais são acompanhadas de uma boa dose de ingenuidade e fragilidade pessoais. Buddy Kane é o espertalhão, que transa com a mulher alheia, engana-a facilmente e se dá bem. Frank é machão violento e autoritário, que sufoca o filho e sufoca seus próprios desejos.
Por parte da juventude da película, Jane é a encarnação da adolescente alienada, imatura, insegura que tem devaneios homicidas e desejo de fugas que só complementam sua condição lamentável de não encarar a realidade dos fatos, propor um diálogo com os pais e ter autoestima. Ricky é um introspectivo jovem garoto cujo sistema de repressão paterna não funcionou(e nunca funciona), facilitando seu envolvimento com atividades ilegais, secretas e sua habilidade em mentir, ocultar. É um solitário, um ser esquisito, periférico para o mundo convencional e, com sua câmera na mão, Ricky filma o mundo como ele o enxerga, como ele o deseja, tanto que a beleza está em um saco plástico que palpita ao vento. Angela é um estereótipo da garota que a mídia valoriza: bonita e gostosa, porém desprovida de qualquer conteúdo inteligente, mergulhada na aparência de conquistadora e bem amada que oculta uma triste insegurança pessoal. Este é o retrato da família americana, esta é a irônica 'Beleza Americana', título original traduzido ao pé da letra e que é bem pertinente para dizer que esta é a sociedade que vive de aparências, que mostra uma 'pseudobeleza' por fora e seu interior é detonado, com isso, o brilhante tagline de Look Closer/Olhe mais de perto é uma mensagem clara à audiência para uma profunda e útil reflexão.
Está olhando o que? Acredite...nem tudo é o que parece!
Sam Mendes é um ótimo diretor e ele parece destinado a filmar, em algum momento, alguma aparência do indivíduo que precisa ser revelada e um descontentamento com esta sociedade. Em Estrada da Perdição (Road to Perdition, 2002), um filho descobre que o pai não é um herói, mas um criminoso. Em Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road,2008), ele também coloca o 'sonho americano de família perfeita' em xeque e mate, enfocando momentos de aparências e crises famliares e existenciais nas quais o indivíduo que tenta se desprender destas amarras sociais acaba se dando mal, basta lembrar da Sra April Wheeler (interpretada por sua ex-esposa Kate Winslet), uma sonhadora da liberdade que teve um fim trágico. Sob a direção de Sam Mendes Beleza Americana tem uma orquestração inteligente, bem alinhada ao roteiro porque ele usa bons recursos para transmitir sua mensagem direta, sua 'voz visual': ele usa os personagens para denunciar tal realidade, colocando esta co-responsabilidade nas narrativas em off de Lester e na câmera de Ricky, desta forma aproximando o realismo e o intimismo do drama ao expectador para que ele 'olhe mais de perto' sob o ponto de vista destes personagens. Há um ótimo trabalho de edição nesta película, entrelaçando bem os planos narrativos com ação e reflexão, e toda a dramaticidade que cada um do elenco contribue, logo o trabalho de montagem cresce junto com a trama. A trilha sonora de Thomas Newman e fotografia de Conrad Hall são muito bem combinadas com a atmosfera do filme, inclusive a fotografia merece créditos por expressar este cotidiano suburbano, divididos entre cores neutras, vivas e escuras; basta lembrar daquela cena emblemática das pétalas de rosas vermelhas ao redor do corpo nu da ninfeta Angela com a qual Lester tem uma fantasia. Estando encantado pela jovem, aquele vermelho paixão dos sonhos eróticos de Lester é o oposto da vida real e cinza dele, um belíssimo e genial contraste visual e até mesmo emotivo na cena. Não é preciso tecer mais elogios à brilhante atuação de Kevin Spacey, que harmoniza perfeitamente bem os apelos sarcástico e trágico de Lester e a Annette Bening, que combina a caricatura de uma mulher dissimulada que, de tão fraca personalidade, merece a piedade do público. De maneira geral, todo o elenco absorve esta faceta do deprimente, frustrante 'American Way of Life', cada um trazendo um elemento doentio da sociedade com uma boa dose de humor negro.
E-S-P-E-T-A-C-U-L-A-R!
O início de Beleza Americana é ressaltado por um roteiro que faz o que a maioria dos roteiros deveriam fazer: Deixa o espectador curioso a respeito do resto do filme. Através da narrativa em off de Lester, deixa a seguinte incógnita: O que aconteceu ao pobre coitado do Lester, cuja vida parece um pesadelo? Ele está realmente morto? Com esta dúvida o espectador é guiado por uma série de situações muito cômicas, porém muito trágicas que só reforçam o quanto o ser humano finge ser o que não é, é alienado, é frustado e, imerso em seu triste e solitário drama, bastando a cada um rir de si mesmo e praticamente enlouquecer como Lester, aceitar sua autenticidade doa a quem doer e viver o que tem vontade de fazer. Mas qual é o preço disso tudo? Qual é o preço de ser autêntico? Qual é o preço de ser um Lester?
Origem: EUA
Gênero: Drama
Duração: 122 min
Diretor(a): Sam Mendes
Oi vizinha,
ResponderExcluireu aqui pronto para dormir, mas antes me deparo com esta resenha incrível.
Este filme jé é um clássico e acho que o Spielberg fez muito bem em passar o projeto para o Sam Mendes. Se o Spielberg fosse o diretor, provavelmente escalaria o Tom Hanks ou Richard Dreyfuss para ser o patriarca americano, rs!
O roteiro é inteligente adoro duas cenas: quando a Annette canta "Don´t Rain on My Parade" do Bobby Darin, e achando que se deu bem, rs! Esta combinação na cena mostra o quanto ela é fútil, burra e frígida, achando que teve o melhor sexo com a majestade dos imóveis e a cena, obviamente, do saco plástico dançante que é o ponto alto do filme (o do Lester é uma masturbação matinal, rs).
O elenco é ótimo. Todos acertam! Em especial Spacey, que é o herói de todo homem.
Adorei a frase:'lobo côroa que gosta de jovens ovelhinhas' , na verdade o que ele precisava, e que o Alan Ball não escreveu, era de alguém que lhe desse um BOM "bom dia" querido/papai. O filme é uma crítica também,creio, ao "muro familiar"- os jantares da família americana eram tão diplomáticos que dava vontade de vomitar os aspargos!
É a melhor tragédia/comédia do estilo de vida americano. Acho que Hollywood não vai mais produzir um filme com este quilate.
A cena antológica da Mena Suvari nua entre as pétalas de rosa, foi filmada de cima para baixo ( o chão foi transformado no teto) em um belo plongée "upside down", rs!
E com esta imaginação erótica tão delicada, não concorda comigo que o Lester era uma homem bacana? Não era bruto, porco e nem um pouco parecido com o vizinho machão enrustido.
O preço de ser autêntico é pagar com juros pela sua autencidade. O preço de ser um Lester é viver uma vidinha idiota e creio que com ambas respostas, é o preço disso tudo!!
Adorei!
Beautiful, rs!
Bjs.
Rodrigo " The boy next door"
Madame,
ResponderExcluirsem sombra de dúvida uma belíssima obra-prima do cinema moderno!
Satírica crítica aos costumes, dotada de intenso vigor e altamente humana.
Todo o filme tem um ar puro técnico brilhante, sem falar na narrativa bem inteligente de Alan Ball e o elenco com um timing perfeito.
E O SACO DE PLÁSTICO BRILHA, PULSA, TEM SENTIDO E VIDA...
Eis o realismo, a ironia e o simulacro da vida (cruel) moderna...
"Para termos sucesso é preciso projetar uma imagem de sucesso”, mas em parte é assim que acontece.
Adoro o fim, as máscaras caem e todos se revelam...filme impecável!
Bem legal teu texto, eu postei sobre ele tem um bom tempo, depois leia lá...beijão!
Beleza Americana é um filmaço!
ResponderExcluirAcho incrível e o jeito de Sam Mendes em criticar as famílias americanas é muito bacana, ele não faz rodeios apenas mostra tudo aquilo que já sabemos, mas fazemos questão em ocultar.
Um belo filme!
O que eu mais gosto, em "Beleza Americana", é que ele critica uma certa hipocrisia da sociedade norte-americana, com o american way of life, seus subúrbios perfeitos. Na realidade, todos temos esqueletos no nosso armário e, um dia, eles podem aparecer. Já diz o ditado: quem não tem teto de vidro, que atire a primeira pedra....
ResponderExcluirUm filme absolutamente fantástico. Curto cada aspecto dele. Vencedor do Oscar mais do que merecido.
ResponderExcluirOlá, MaDame!
ResponderExcluir"Beleza Americana" já nasceu um clássico. é um filme monumental que já entrou para a história do cinema como uma das obras mais poéticas e críticas à ordem social de uma época (veremos como será daqui uns anos). Filme sensacinal! Um dos melhores debuts do cinema. Mendes detém todo o controle de uma história sufocante, protagonizada por um personagem inesquecível - Spacey, como você ressaltou, atuação brilhante.
Excelente texto para um excelente filme, MaDame! \o/
Abs!