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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Robert Guédiguian é um diretor que...

Uma casa à beira Mar (2017)






Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Robert Guédiguian é um diretor que não se esquiva de usar seu cinema como um recurso de expressão política. A diferença é que ele o faz sem arrogância e violência porque, de certa forma, realizar um Cinema político é não perder de vista as memórias e histórias, a família, os sentimentos e tudo o que conecta o homem à sua humanidade, às origens e ao coletivo. Para isso, nada melhor do que retratar como os indivíduos reagem e ressignificam os acontecimentos da vida. 


Em mais um parceria com sua esposa, a atriz Ariane Ascaride, em "Uma casa à beira mar" (La Villa, 2017)  o cineasta francês retorna à cidade de Marsellha, na França, região de seu nascimento, para contar uma história sobre família, passagem do tempo, luto, velhice e amor.  Em uma bela e idílica paisagem marítima e de tradição pesqueira, três irmãos se reúnem após o pai ficar doente.  O reencontro mescla o ordinário cotidiano em uma vila pitoresca, as memórias, emoções e incertezas com relação ao presente e futuro e uma leve abordagem de elementos da contemporaneidade europeia como a temática social da imigração.






Guédiguian apresenta humano e intimista retrato do que realmente acredita: as raízes, as memórias, o amor, a bondade, a solidariedade. Com êxito, mesmo diante do difícil momento familiar em cena, o diretor dá tempo aos personagens para vivenciarem essas novas circunstâncias e flashbacks de retornar à vila marítima e lidar com eles, assim, vemos cada irmão com ressignificações diferentes como o  Ángele (Ascaride) , atriz de teatro que revive as lembranças do luto como mãe e as possibilidades de experienciar um amor. Joseph (Jean-Pierre Darroussin) e a jovem namorada interpretada por Anaïs Demoustier  em uma decisão sobre seguir ou não com o namoro e Armand (Gérard Meylan),  o mais local dos irmãos, o cuidador e mais próximo ao pai.


Os mais duros com o cinema de Guédiguian dirão que é um filme burguês idealista realizado por quem não entende de pobreza,  considerando que são vários os franceses abastados que demonstram ter um comportamento altruísta mas que pouco sabem da dura vida; o fato é que, apesar de ter uma família burguesa no centro da narrativa que parece viver uma realidade distante da grande massa de miseráveis existentes do mundo, Guédiguian realiza o seu filme com otimismo, poesia e sinceridade, virtudes que têm muito mais a acrescentar do que diferenças ideológicas. 


O roteiro foi construído de uma forma a moldar mais levezas que durezas, menos política e mais afeto.  Ele se conecta a questões humanas que, quando a doença, a perda, o luto passam diante dos olhos, é impossível não refletir sobre  o nosso lugar no mundo, onde nascemos,  o que realizamos, como amamos, para onde vamos a partir daqui.  O cineasta pega em outras armas de combate para fluir o humano na história. E há melhor arma do que o amor e a nossa capacidade de unir a tradição, as memórias, as mudanças e um futuro mais humanizado?


Nesse sentido, a história tem a delicadeza e a mansidão que retira o espectador de abordagens retratadas violentamente em outros filmes europeus e/ou de diálogos politizados e engessados em torno de uma mesa familiar. Assim, ao tocar em uma tema polêmico de refugiados, por exemplo, Guédiguian prefere catalisá-lo de uma maneira solidária, esperançosa, mesmo que tal escolha faça-o tratar o material com maior romantismo. 








O diferencial do roteiro é dar tempo para que a família reaja naturalmente à revisitação da casa de praia e da vila. É um filme que se alimenta de memórias e por elas pode ser transformado. São muitas lembranças que deixam reticências no ar e que não precisam finalizar em posicionamentos claros.  Assim é a vida, uma ponte que se divide em tantas outras.  


Assim, o cineasta realiza um trabalho consciente de direção de atores, muito bem apoiado pela relação profissional que já tem com suas parcerias de elenco. O diálogo é descontraído e livre nas interações entre os irmãos. Todos esses atores (Ascaride, Darroussin e Meylan) já trabalharam com Guédiguian e se ajustam a uma atuação naturalista no qual ficam bem à vontade  em cena. 


A espontaneidade dos irmãos é tão fascinante, por certos momentos, se questiona se estão preocupados com o iminente luto que vivenciam considerando que seu pai está morrendo. Não menos importante, o pai no leito de morte se torna um dispositivo para maior bem dramatúrgico.  A narrativa se volta mais aos personagens que ao pai em si, o que representa um acerto, uma rota fora do lugar comum visto em filmes que vivenciam o luto.  



São essas saídas eficazes do diretor que dão um contorno narrativo mais humanista, menos institucionalizado e previsível.  O diretor deixa espaços em abertos, interiores e exteriores que se mesclam em uma contínua reflexão sobre o viver e os novos momentos de uma vida  que se apresenta.


Guédiguian  realiza um Cinema demasiado humanista, um sopro de vida cinematográfico que usa as memórias e o que há de vir para mostrar que viver  (e sobreviver) é  ressignificar a própria vida. 







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