Explorar o Cinema do mundo e ampliar o campo de visão sobre outras culturas é um processo singular de amadurecimento do espectador na sétima arte, contudo, nem tudo são flores. Nesse percurso, temas indigestos e a experiência de indignação costuma ocorrer com razoável frequência a depender da filmografia. Normalmente, filmes relacionados à naturalização da violência do ser humano em situações bem repulsivas, como por exemplo, a violência de gênero e a contra crianças e jovens.
Difret de Zeresenay Mehari é um desses filmes chocantes ao abordar a Telefa, prática tradicional de rapto de mulheres para o casamento na Etiópia. Por mais insano que pareça, existem tradições violentas e primitivas dessa natureza.
Com produção executiva de Angelina Jolie, mais uma vez empenhada em mostrar as atrocidades de regiões mais vulneráveis e esquecidas do mundo, Difret é baseado na história real de Aberash Bekele. Ela é Hirut (Tizita Hagere), uma menina de 14 anos que foi raptada, estuprada e julgada como homicida no país. Mesmo ferida, Hirut foge e mata o estuprador. Em sua defesa, a advogada Meaza Ashenafi (Meron Getnet) cuida do caso e tenta vários esforços para lutar pela sua liberdade.
Difret é um filme bem incômodo já nas cenas iniciais. Levando em conta que os conceitos de infância e criança cobrem a idade até os 12 anos, Hirut é uma menina que acabou de deixar de ser criança, nessa situação, ser perseguida como um animal no meio do campo por um grupo de brutamontes montados a cavalo é algo bastante repulsivo de se ver. Em um momento rápido de felicidade, ela comemorava uma pequena vitória na sua Educação, sendo aprovada para o 5º ano do ensino fundamental. Repentinamente, eis que é vítima de uma violência aceita socialmente.
Passar dessa sequência faz refletir sobre a diferença entre lei e justiça e como essa relação é tensa, polarizante e imprevisível. Hirut nunca deve ter pensado que um dia seria assassina dos seus algozes, entretanto, fez uma escolha para sua própria proteção. Aplicou um tipo de justiça pessoal no calor da fuga, do medo e do desespero. A Lei dos homens não a deixa escapar e, logo mais, ela entra em outro processo de luta pela sobrevivência: tem que provar que foi violentada e matou por legítima defesa.
Grande parte da narrativa simula todas as dificuldades para a prova de inocência e resume bem as escolhas do diretor e características do roteiro. Questões bastante simples como comprovar que ela é menor se tornam uma espécie de calvário, dessa forma, o espectador tem à vista uma visão da burocracia da polícia, do governo e dos instrumentos legais e de uma cultura severa, intolerante e opressiva que não protege mulheres e jovens. Essa carência de uma melhor fluidez narrativa está intimamente ligada a esse atraso mental da justiça na Etiópia, algo lento, confuso e burocrático que é emulado nas cenas.
Hirut passa por um martírio, afastada da escola, da família, da sociedade. O seu processo apenas evolui por conta de uma força maior: a coragem, a solidariedade e o desejo de justiça de Meaza Ashenafi e dos apoios que conquistou nessa difícil jornada, além da parceria cliente/advogada. Vale observar que a narrativa mostra a aproximação entre as duas personagens sem sentimentalismos exacerbados e maniqueístas. Nenhuma invade a individualidade da outra ao extremo, assim, o caso mantém sua natureza jurídica na qual a advogada se empenha em romper as barreiras impostas pela polícia, promotoria e sociedade.
O contexto rígido e tradição pré-nupcial na Etiópia são desastrosos para qualquer mulher jovem. É como uma marca de condenação antes mesmo de atingir a idade para ser esposa. É como ser lançada na cova dos leões a qualquer momento, oferecida como um pedaço de carne a ser pego e violado. Nesse ponto, o filme é muito brutal porque faz pensar em todas as outras garotas da idade de Hirut e nas outras crianças que vivem nesse local, próximo a Addis Abeba. Quantas foram silenciadas? Quantas foram violentadas e mortas? Quantas tiveram suas vidas destruídas? Decerto, muitas. Por outro lado, a história inspira à mudança.
Raptar, estuprar, oprimir, silenciar e tantas outras violências expostas em cenas, umas mais diretas, outras mais indiretas, compõem esse filme denúncia sobre uma prática repugnante. Ciente do seu papel como disseminadora e influenciadora da pauta global de Direitos Humanos, Angelina Jolie não se calou diante do mundo e assinou a coprodução, o que contribuiu significativamente para dar voz ao filme.
Na flor da idade, com seus sonhos de educação, o desejo de ser autêntica e sujeito de direitos, Aberash Bekele foi uma guerreira. Entre tantos sentidos na língua amárica, a palavra Difret também significa coragem. Simboliza um filme que reafirma a sua coragem e a de todas as mulheres que lutaram com ela.
Difret de Zeresenay Mehari é um desses filmes chocantes ao abordar a Telefa, prática tradicional de rapto de mulheres para o casamento na Etiópia. Por mais insano que pareça, existem tradições violentas e primitivas dessa natureza.
Com produção executiva de Angelina Jolie, mais uma vez empenhada em mostrar as atrocidades de regiões mais vulneráveis e esquecidas do mundo, Difret é baseado na história real de Aberash Bekele. Ela é Hirut (Tizita Hagere), uma menina de 14 anos que foi raptada, estuprada e julgada como homicida no país. Mesmo ferida, Hirut foge e mata o estuprador. Em sua defesa, a advogada Meaza Ashenafi (Meron Getnet) cuida do caso e tenta vários esforços para lutar pela sua liberdade.
Difret é um filme bem incômodo já nas cenas iniciais. Levando em conta que os conceitos de infância e criança cobrem a idade até os 12 anos, Hirut é uma menina que acabou de deixar de ser criança, nessa situação, ser perseguida como um animal no meio do campo por um grupo de brutamontes montados a cavalo é algo bastante repulsivo de se ver. Em um momento rápido de felicidade, ela comemorava uma pequena vitória na sua Educação, sendo aprovada para o 5º ano do ensino fundamental. Repentinamente, eis que é vítima de uma violência aceita socialmente.
Passar dessa sequência faz refletir sobre a diferença entre lei e justiça e como essa relação é tensa, polarizante e imprevisível. Hirut nunca deve ter pensado que um dia seria assassina dos seus algozes, entretanto, fez uma escolha para sua própria proteção. Aplicou um tipo de justiça pessoal no calor da fuga, do medo e do desespero. A Lei dos homens não a deixa escapar e, logo mais, ela entra em outro processo de luta pela sobrevivência: tem que provar que foi violentada e matou por legítima defesa.
Grande parte da narrativa simula todas as dificuldades para a prova de inocência e resume bem as escolhas do diretor e características do roteiro. Questões bastante simples como comprovar que ela é menor se tornam uma espécie de calvário, dessa forma, o espectador tem à vista uma visão da burocracia da polícia, do governo e dos instrumentos legais e de uma cultura severa, intolerante e opressiva que não protege mulheres e jovens. Essa carência de uma melhor fluidez narrativa está intimamente ligada a esse atraso mental da justiça na Etiópia, algo lento, confuso e burocrático que é emulado nas cenas.
Hirut passa por um martírio, afastada da escola, da família, da sociedade. O seu processo apenas evolui por conta de uma força maior: a coragem, a solidariedade e o desejo de justiça de Meaza Ashenafi e dos apoios que conquistou nessa difícil jornada, além da parceria cliente/advogada. Vale observar que a narrativa mostra a aproximação entre as duas personagens sem sentimentalismos exacerbados e maniqueístas. Nenhuma invade a individualidade da outra ao extremo, assim, o caso mantém sua natureza jurídica na qual a advogada se empenha em romper as barreiras impostas pela polícia, promotoria e sociedade.
O contexto rígido e tradição pré-nupcial na Etiópia são desastrosos para qualquer mulher jovem. É como uma marca de condenação antes mesmo de atingir a idade para ser esposa. É como ser lançada na cova dos leões a qualquer momento, oferecida como um pedaço de carne a ser pego e violado. Nesse ponto, o filme é muito brutal porque faz pensar em todas as outras garotas da idade de Hirut e nas outras crianças que vivem nesse local, próximo a Addis Abeba. Quantas foram silenciadas? Quantas foram violentadas e mortas? Quantas tiveram suas vidas destruídas? Decerto, muitas. Por outro lado, a história inspira à mudança.
Raptar, estuprar, oprimir, silenciar e tantas outras violências expostas em cenas, umas mais diretas, outras mais indiretas, compõem esse filme denúncia sobre uma prática repugnante. Ciente do seu papel como disseminadora e influenciadora da pauta global de Direitos Humanos, Angelina Jolie não se calou diante do mundo e assinou a coprodução, o que contribuiu significativamente para dar voz ao filme.
Fonte: difret.com
Na flor da idade, com seus sonhos de educação, o desejo de ser autêntica e sujeito de direitos, Aberash Bekele foi uma guerreira. Entre tantos sentidos na língua amárica, a palavra Difret também significa coragem. Simboliza um filme que reafirma a sua coragem e a de todas as mulheres que lutaram com ela.
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Cristiane Costa, MaDame Lumière