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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação A justiça não funciona sozinha...

Kalinka (2016)





Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação



A justiça não funciona sozinha. Ela requer uma forma humana tremenda. Ela depende de mulheres e homens determinados a seguir o longo percurso de se obter justiça em um país. Quando a impunidade abala a dimensão familiar de maneira trágica e intimista, a justiça ganha um peso imenso a quem permanece em vida. É muito mais uma questão de honra e compromisso com o(a) ente querido(a) morto(a).





Considerando essa sede por justiça heroica que se mistura com um desejo de vingança, Kalinka (au nom de ma fille, 2016) dirigido pelo realizador francês Vincent Garenq  é baseado em fato real: a morte de uma jovem no Sul da Alemanha em 1982, um caso que levou 30 anos para ir ao julgamento na França.

Conta a história de um pai, André Bamberski (Daniel Auteuil) que tem Kalinka, sua filha morta em circunstâncias estranhas e contraditórias. Quando a jovem Kalinka tinha 14 anos, foi passar uns dias de férias na casa da mãe (Marie-Josée Croze) que morava na Alemanha com o ex-amante e atual companheiro, Dr. Dieter Krombach (Sebastian Koch). Diante do silêncio e negação da mãe, do padrasto de comportamento dúbio e de outras situações duvidosas, Bamberski desconfia que o assassino seja Krombach.








Dessa forma, começa a saga de um pai determinado a revelar a verdade sobre o assassinato da filha. Na narrativa, Garenq conduz uma boa direção independente com movimentos de câmera apoiados por uma decupagem mais próximos à realidade que adentra no seio familiar, conturbado e pouco participativo. As cenas em espaços de autoridade são rápidas, com poucos diálogos e densidade, corroborando que o protagonista tem que levar a luta como um herói solitário. 


Bamberski é um personagem típico de um heroísmo cotidiano, raramente apoiado pelas autoridades francesas e internacionais. Acima de tudo, ele é um pai que tem uma convicção: o assassino é  Krombach com o qual ele também tem uma relação tensa e mal resolvida devido à traição passada. Nesse sentido, a responsabilidade do filme recaí consideravelmente em Daniel Auteuil, que é um experiente e excelente ator para dramas. 


Com essa evidência, é compreensível o fato de que o roteiro, a partir da segunda metade do longa, tende a ficar confuso e superficial no que diz respeito à tratativa e aprofundamento das provas contra Krombach. Não há uma boa exploração das provas no roteiro, então não se trata de um exímio drama de tribunal, funciona melhor como uma combinação drama familiar - suspense. 




Nessa dinâmica que envolve crime, paternidade, luto, drama de tribunal e busca por justiça, o roteiro se perde em desencadeamento de ideias,  argumentações  e ações com relação ao caso e entre o segundo e terceiro atos, o longa tende a ser cansativo e contribuir com a desatenção. Em específico há cenas que, por exemplo, já poderiam finalizar a história, assim chega-se a um ponto que o filme ligeiramente corre em círculos,  mimetizando que a burocracia para a justiça  funciona assim. Ela é exaustiva, com altos e baixos e incoerências. De certa forma, esses aspectos provocam uma perda de engajamento com a experiência que, obviamente, pode variar de espectador para espectador. Assim, dá para ter uma ideia do que esse pai sofreu. Foi testado até o limite, assim como o público é testado a compreender o desenrolar da história.







Estranhamente, a narrativa se caracteriza com poucas manifestações emocionais, em outras palavras, não é um filme sentimental mesmo que haja um luto paterno e determinadas cenas de maior carga emocional.  O diretor Garenq realiza uma direção que não quer cair no risco de ser extremamente emotiva, por isso, a extrema dedicação de Bamberksi tem um apelo obsessivo  e frio, uma força de crer em si mesmo e não desistir. As emoções são catalisadas de outra forma e, de fato, para lidar com a morte de um(a) filho(a) diante de autoridades racionais e arrogantes, é provável que as emoções se tornem mais racionais na prática.


Kalinka é um filme que faz pensar sobre milhares de pais e famílias que há 10, 20, 30 e muitos anos ainda buscam por justiça para seus filhos. Bamberksi não desistiu, por isso, a grande lição do longa é não se calar diante de injustiças e perdas. Há o tempo para o recolhimento, para a dor com lágrimas, para o desejo por vingança, para a mansidão e paciência para a justiça.  Kalinka também faz refletir que, por mais que haja direitos no papel, a justiça em si depende muito do esforço individual que se articula com outros esforços coletivos.







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