Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
A Amante (Hedi, 2016) é o primeiro filme do diretor Tunisiano Mohamed Ben Attia no qual ele propõe, através do conflito vivenciado pelo protagonista Hedi (Majd Mastoura), mostrar os desafios enfrentados por homens e mulheres da Tunísia divididos entre a tradição da família, da religião e da cultura e os desejos do amor e da liberdade. Produzido pelos irmãos Dardenne, o longa conquistou reconhecimento e prestígio. Ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim como "melhor filme de estreia" e o Urso de Prata de melhor ator para Majd Mastoura.
A história conecta as dimensões individual e coletiva da contemporânea Tunísia. Localizado na África do Norte, o país tem maioria muçulmana, com religião baseada nos rígidos princípios do Islã. Se caracteriza como uma jovem república que está em processo de democratização, desse modo, ainda é um país tradicional com casamentos arranjados e tomadas de decisão familiares que protegem a tradição, os costumes e valores morais.
Nesse contexto, Hedi é um vendedor de carros para a Peugeot que segue a vida mais por vontade dos outros do que por si mesmo. Não demonstra paixão pela profissão. Não tem planos pessoais e ambições. Sua mãe define com quem ele se casa, onde mora e trabalha. Ele permanece apático. O conflito pessoal toma dramaticidade às vésperas do casamento com a jovem Khedija. Em uma viagem a trabalho, ele conhece a exuberante Rym (Rym Ben Messaoud) que trabalha como recreadora em um hotel em Mahdia. A atração entre ambos é inevitável e eles se apaixonam.
É importante notar que, como em outros filmes de tradição árabe, o homem e/ou a mulher se mantém como um refém das circunstâncias, evidência que demonstra um severo aprisionamento e silencioso sofrimento que pouco a pouco ceifam a energia dessas juventudes. Ao observar as cenas entre Hedi e Khedija, os gestos, olhares e silêncios de distanciamento mostram o mal estar de uma relação sem interesse e sentimento. Logo mais, o diretor explora a espontânea mudança comportamental de Hedi. O homem que antes não sorria, passa a sorrir até mesmo com os olhos ao contemplar a enérgica e destemida Rym. A paixão que ela tem pelo viver aventureiro e sem regras, com trabalho itinerante e raras certezas é bastante sedutor e libertador para ele.
Cada cultura tem seus costumes, valores e religião e precisa ser respeitada, então o diretor harmoniza bem as duas pontas do conflito e coloca um especial esforço na direção de Majd Mastoura, que é o indivíduo em meio a essa rígida cultura e o alicerce da narrativa. É o ator que realiza uma performance centrada que mereceu o Leão de Prata e aponta para uma humanidade frágil no qual um(a) tunisiano(a), por mais livre que deseja ser, não pode virar totalmente as costas à família e à sociedade. Sua atuação tem as oscilações de humor de uma pessoa em conflito e essa tensão entre a responsabilidade por um casamento vs o desejo pela liberdade é moldado com maturidade.
Em um cenário de mudanças sócias, políticas e econômicas na Tunísia, Mohammed Ben Attia realiza um filme bem intimista sem se afastar dessa dimensão das transformações do país. Ele também não é moralista no desenvolvimento da narrativa, então Hedi e Rym realmente curtem um ao outro com descontração, cumplicidade e positividade. Cabe observar que esse romance é uma espécie de mundo paralelo para Hedi, um amor de férias que o tira do duro cotidiano, assim, é uma paixão que está em uma posição fronteiriça, que pode vingar ou não.
O diretor também não trata de política, nem religião e nem sociedade tão abertamente, mas prioriza uma direção que transparece como esses homens e mulheres tunisianos têm o desafio de lidar com esses novos tempos pouco claros. Em vários momentos, Hedi está mais perdido no tempo, sem iniciativa, dividido entre o sonho e a realidade. Embora o cineasta não explore outros personagens e lugares, as participações da mãe e do irmão de Hedi contribuem para ressoar o peso da voz da tradição. É um ambiente de cobrança e opressão que não favorece determinadas escolhas.
A Amante é um bom filme sobre uma paixão que traz o entusiasmo mas também um conflito que demanda uma escolha. Vale a pena conhece-lo como um Cinema que faz repensar a responsabilidade das escolhas, sejam elas libertárias ou tradicionais, em um espaço moral controverso que não prioriza o ego, desejos e vontades.



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