Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
A década de 60 do Cinema foi uma época de importante transição para um Cinema mais libertador antes da chegada da Nova Hollywood. Como um dos elementos de uso narrativo, temáticas relacionadas ao sexo e à liberdade sexual começaram a ser frequentes em clássicos como "Bonnie e Clyde", " A primeira noite de um homem", "A bela da tarde", "Repulsa ao sexo" e "Clamor do sexo". Na Europa, com a chegada da Nouvelle Vague, histórias relacionadas ao amor, sexo e à liberdade também ganharam espaço em produções de François Truffaut como "Jules e Jim" e "Acossado" e de Jean- Luc Godard como "O Desprezo".
Dirigido por William Wyler, "Infâmia" (The Children's hour, 1961) conta com duas magníficas atrizes, Shirley MacLaine e Audrey Hepburn, que interpretam duas amigas e professoras (Martha e Karen) que tem uma amizade de longa data e mantém um colégio para meninas da elite americana. Passando de um cotidiano pacífico para uma violenta queda de prestígio, elas são humilhadas e desprezadas pela sociedade quando são acusadas de terem um relacionamento homossexual. Baseado na peça teatral homônima de Lilian Hellman, o filme combina drama e tragédia ao narrar como um rumor destrói a reputação e a vida das pessoas.
Wyler realiza um excelente filme que absorve bem o silencioso preconceito da época. Tratada como algo proibido, a homossexualidade está inserida em uma estrutura narrativa que a deixa como algo suspeito, nunca abertamente dito e comprovado, o que contribui para dar maior tensão ao desenrolar do drama. Essa suspeita ganha uma dimensão aterrorizante, extremamente cruel, quando uma aluna problemática Mary (Karen Balkin), mimada e má, decide espalhar o rumor de que as professoras têm uma relação lésbica, dando início a uma polêmica que ganha proporções destrutivas nos níveis profissional e social das professoras. A destruição é tão devastadora que alcança tribunal e mídia.
Diante de uma mentira que, mesmo que fosse verdade, invade a intimidade dos sentimentos alheios, Wyler revela a angustiante situação vivida por Karen e Martha após anos de amizade. Nesse aspecto, o conflito não é apenas algo externo fortemente espalhado pela sociedade, mas também, um fator de desequilíbrio na relação das duas. Martha (MacLaine) sente ciúmes de Karen (Hepburn) e não sabe como lidar com esse sentimento de posse misturado ao afeto e devoção à amiga. Mais equilibrada nas emoções, Karen está prestes a se casar com o charmoso Dr. Joe Cardin (James Garner) e realizar o sonho de ser mãe. Assim, a desconfiança e as consequências do rumor impactam a relação do trio, colocando a dúvida como um elemento invasivo e destrutivo.
A reação da sociedade da época às duas professoras é bastante cruel e significativa para o êxito da história. Mostra situações realmente ultrapassadas e pouco fundamentadas que refletem que tipo de sociedade é essa: A senhora Amélia, vó de Mary, (Fay Bainter) acredita piamente na opinião da neta e se vê no direito de espalhar a notícia como uma verdade; a violência psicológica de como as alunas são retiradas do colégio; o jogo de mentiras, chantagens e maldades já evidenciado no comportamento de crianças. Essas cenas desestabilizam totalmente o cotidiano de Karen e Martha.
Wyler realiza uma excelente direção de atores, em especial, na magnífica performance de Shirley MacLaine e como ele decupa planos que valorizam o conflito interno dos personagens, como eles se movimentam em cena e reagem uns aos outros. O diretor não expõe cenas fortes de maneira expandida, o que acaba sendo um benefício para a história pois a intenção, socialmente opressiva, é muito mais funcional para essa dramaturgia. Assim, entre esses planos, é fascinante ver três deles em específico: a dramática conversa entre Karen e Martha na qual sentimentos ocultos são exteriorizados, o diálogo final entre Karen e seu noivo e o belíssimo close up em Audrey Hepburn ao entrar no quarto de Martha em uma das cenas finais.
Infâmia é um contundente clássico que merece maior destaque e ser amplamente conhecido, principalmente considerando a forma como Wyler leva a história às últimas consequências de uma tragédia e, ainda assim, propõe um desfecho em aberto que não se ajoelha e nem se humilha diante do preconceito social. No mais, apesar das conquistas de gênero e sexualidade na sociedade contemporânea, a homossexualidade ainda é um tabu, dessa forma, o drama emula o real preconceito, aquele que é deixado nas entrelinhas, nas fofocas, nas injustiças, no dito pelo não dito, no mal estar social.
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