Nos últimos anos, filmes que abordam a melhor idade e suas peculiaridades dramáticas e cômicas têm sido comuns em variados gêneros e origens. Longas como E se vivêssemos todos juntos? ( França/Alemanha, 2011), O Exótico Hotel Marigold ( UK/USA/ Emirados Árabes, 2011), Amor ( França/Alemanha/Áustria, 2012), A Grande Beleza (Itália/ França, 2013) estão entre ótimas produções que têm atores experientes em excelentes performances e que retratam, com leveza ou com maior peso dramático, o envelhecimento e a natural reflexão e/ou desapontamento com a ação do tempo e como a sociedade reage com idosos. Na maioria dos filmes, mais inseridos em uma combinação narrativa de comédia com drama, as histórias usam o humor como uma (suave) válvula de escape para pincelar questões mais sérias como a solidão, a debilidade na saúde e doenças, o abandono pelos filhos e pela sociedade, a necessidade de afeto e companhia etc. Por outro lado, alguns filmes trazem certo otimismo sem tantos maniqueísmos, como quem diz: Nem tudo está perdido. Simplesmente estamos vivos e vamos continuar vivendo até sermos recolhidos para o descanso eterno.
Nesse cenário, através do Chile e do diretor Sebastián Lelio, o Cinema Latino America trouxe um pouco mais desse universo temático para os lados de cá. Além de ser uma boa iniciativa, é uma forma de oxigenar o Cinema com assuntos relevantes que fazem parte da nossa condição humana e possibilitam fortalecer um público alvo mais velho que se identifique emocionalmente com o filme. Gloria (Paulina García) enfoca a personagem-título, uma mulher de quase 60 anos que tem os filhos crescidos, vive sozinha e está sem um companheiro. Sua solidão é evidente mas também sua vontade de viver e de aproveitar o que a vida lhe apresenta. Ela vai aos bailes com a audácia da mulher que sai sozinha sem se importar com o que os outros irão falar. Ela tem um humor simpático que se mistura com a sua solidão e seriedade frente a um cotidiano enfadonho. Gloria é daquelas mulheres que se dão a chance para amar e se divertir e, sob essa perspectiva, o longa é um acerto ao abordar uma mulher solitária que não abandona a si mesma.
A história não está alicerçada em um roteiro excepcional, sendo essa uma das suas debilidades. As situações são frágeis como material narrativo e os coadjuvantes são precariamente utilizados, o que acaba por tornar Gloria um filme de uma personagem só. Uma evidência dessa fragilidade é o relacionamento entre ela e Rodolfo (Sérgio Hernández), um oficial aposentado, apegado às filhas e sem personalidade. Além de Rodolfo ser um péssimo exemplo de homem para sua idade e que não envelheceu bem com o tempo, Glória tem que lidar com situações que nenhuma mulher aguentaria na idade dela. O roteirista trabalhou muito pouco na qualidade dos diálogos e não conseguiu fundamentar reflexão sobre o drama da solidão e das dificuldades de relacionamento. Somada essa debilidade do roteiro à longa projeção (110 minutos), Gloria é um filme mediano, bastante moroso na evolução da narrativa e que poderia facilmente ter tido vários cortes na edição; lamentavelmente, seu maior problema é a lentidão de sua duração sem apresentar outros elementos contundentes na história ou, minimamente, efeitos tragicômicos como ocorrem em outros filmes dessa categoria. Logo, ele coloca uma grande responsabilidade em Paulina García por manter o público atento e interessado. O realismo de situações cotidianas retratado por Lelio coopera para o público acompanhar Glória com um misto de melancolia e esperança por um dia melhor que o outro.
Premiada com o Urso de Prata de melhor atriz do Festival de Berlim 2013, Paulina García é o filme por completo. Por causa de sua maturidade como atriz e uma aparente tranquilidade na atuação, ela mergulha na personagem sem torná-la caricata e aborrecedora. Sua alma feminina com genuínos altos e baixos, ainda que não eficientemente explorados, é admirável. No geral, Glória é uma mulher prática. Deseja ser amada, entregar-se à sua sexualidade, ter prazer na vida. Para isso, o diretor conduz a execução das cenas de sexo o mais reais possíveis, assim como as do baile e de uma noitada. Questões como essas são naturais à qualquer mulher, não importa se a pele não tem mais o mesmo viço, o corpo o mesmo vigor e nem a beleza as mesmas formas. Nesse aspecto, o longa tem suas virtudes através de Paulina García que faz o possível para o filme não ser tão triste. A atriz é como aquela mulher comum que poderia ser a vizinha de alguém: sem glamour, frescuras e narcisismo, ela representa muito das mulheres maduras que, dia após dia, querem apenas que as coisas dêem certo, querem continuar vivendo plenamente o tempo que lhes falta.
Ficha técnica do filme no ImDB Gloria
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