O campo da Animação é um terreno fértil para o desenvolvimento do setor audiovisual Brasileiro, potencial para viabilizar projetos na Economia criativa e, principalmente, está evoluindo no país e trazendo bons resultados, entre os quais destacam-se este ano Até que a Sbórnia nos separe dirigido por Otton Guerra e Ennio Torresan e o maravilhoso O menino e o Mundo, sob a direção de Alê Abreu. Com belíssima trilha sonora de Gustavo Kurlat e Ruben Feffer e a contagiante canção Aos Olhos de uma criança com o rapper Emicida, a animação teve boa recepção pela crítica e público e no exterior conquistou premiações nos festivais de Annecy, Mill Valley, Shangai etc. No Brasil, foi destaque na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e ganhou o prêmio da juventude.
O Menino e o Mundo é uma animação diferente daquelas convencionais e muito comerciais que priorizam o uso intenso de recursos tecnológicos para fazer a diferença na Tela Grande e na bilheteria. Nele, o trabalho é de uma delicadeza ímpar. É como abrir um livro infantil, pegar recortes, giz de cera e lápis de cor e desfrutá-lo com os olhos de uma criança e muita imaginação, participando ativamente daquelas belas ilustrações que se movem e constroem a narrativa com um esplêndido efeito lúdico e uma estimulante jornada de descoberta. É uma animação que, mesmo que de forma surreal, traz à experiência cinematográfica o desejo de participar da história do garoto que, saudoso do pai, saí da sua vila, entra em contato com um fantástico mundo contemporâneo e se confronta com questões como solidão, tristeza, pobreza, desemprego, industrialização, progresso etc. Através de um roteiro incrível, fruto de uma competência artística para uma cativante ilustração e uma capacidade de se comunicar com a plateia com sutilezas que não precisam de uma língua compreensível e grande aparato tecnológico, O Menino e o Mundo é um dos melhores filmes Nacionais de 2014 e uma evidência clara de que a animação é um universo audiovisual diferenciado a ser explorado no mercado Brasileiro.
Impregnada de criatividade e sensibilidade, essa animação era originalmente um documentário chamado Canto Latino, o que explica muito de sua energia de explorar o mundo com cores, língua e som exóticos. Em partes da narrativa, fica mais evidente a riqueza da trilha sonora e sua fusão de sons que valorizam a nossa própria latinidade. Igualmente enriquecedor é como o menino se aventura em um universo que está tão próximo de nós: desde subir um morro e conhecer uma comunidade até ver a beleza colorida da natureza e as músicas de uma festa de rua, passando pelo abandono de um idoso doente que não pode mais trabalhar e um jovem que olha uma vitrine e não tem dinheiro, a animação proporciona a visão de muitas coisas cotidianas e coopera para educar o olhar do público. Alê Abreu também consegue absorver ao máximo a modernidade do mundo industrial comandada por empreendedores e empresários e, de uma maneira muito versátil e articulada, entrega uma animação que contempla variadas facetas do progresso e do desemparo social sem deixar de lado imagens marcantes da natureza bucólica e em família, da magia da descoberta do mundo e do amadurecimento, da inevitável melancolia e tristeza.
Entre tantas virtudes, há uma especial na história desse menino desenhado com traços simples e poderosamente carismático: a narrativa é construída com técnicas de desenho com giz de cera, lápis de cor, pinturas e colagens. É um trabalho de papel, de lápis na mão com alma e coração. É tão extraordinário na sua simplicidade artesanal que consegue ser inovador para o Cinema Nacional. A cada plano, Alê Abreu faz lembrar do livro exercícios de crianças de Manoel de Barros, uma fascinante obra literária infanto-juvenil também ilustrada artesanalmente: ali está um mundo de despropósitos aos olhos de uma criança, afinal o menino sai para procurar o pai e encontra outras realidades. Esse longa é um mundo mágico que também mostra a realidade do mundo adulto e seus propósitos sociais e econômicos. Com maestria, o diretor demonstra total carinho no processo criativo e uma linda entrega de sua arte cinematográfica em cada detalhe colorido que encanta como a palheta de cores de uma mandala , em cada emoção do menino como se fosse a criança que ainda somos. E, de repente, a emoção que tanto surpreende chega à Tela com gestos que une diferentes gerações e ali está o menino a conhecer um idoso e um jovem pobre como companhias, depois a olhar para o vagão de um trem e pensar que uma daquelas figuras tão parecidas era o seu pai e assim, com sensibilidade, arte e sabedoria, O Menino e o Mundo nos conquista com um mundo fantástico de que une o familiar e o explorar o (des)conhecido, a alegria e a tristeza, o sonho e a realidade.
Ficha técnica do filme ImDB O menino e o mundo
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