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Uma mulher cega se refugia em sua casa, se perde em seus pensamentos, vive suas fantasias com medos, desejos e anseios e, a cada sit...

Blind - 2014






Uma mulher cega se refugia em sua casa, se perde em seus pensamentos, vive suas fantasias com medos, desejos e anseios e, a cada situação, coloca ali suas percepções e sentimentos  sobre a sua relação com o marido e a sua adaptação à deficiência visual.  Essa é a base da narrativa de Blind, o premiado drama Norueguês de Eskil Vogt que ganhou como melhor roteiro no Festival de Sundance e como melhor filme Europeu no Prêmio Europa Cinemas Label do Festival de Berlim. No papel principal está a atriz  Ellen Dorrit Petersen que está em Águas Turbulentas, outro longa de destaque no Cinema Norueguês. Em excelente atuação, a atriz realiza um trabalho solitário com considerável parte de texto narrado tal que faça o público entrar na mente da protagonista.



É um drama peculiar e muito bem concebido com a ideia de uma mulher que perde a visão e se fecha em seu próprio mundo imaginário. Também é uma forma consideravelmente original de abordar uma personagem cega e criar o seu mundo na Tela do Cinema. Somos convidados a acompanhar sua sensorialidade além dos olhos: o que ela pensa, como se sente, como se isola em seu drama físico e pessoal.  O roteiro tem um início atraente à medida que demonstra que ela tem uma sensibilidade muito aguçada para perceber o mundo ao redor e para entrar em devaneios, lembrar do passado, fantasiar situações. Em uma das sequências, ela narra com muita habilidade sobre um homem viciado em pornografia em uma das partes mais interessantes deste texto. Interpretado por  Marius Kolbenstvedt, ele é um voyeur solitário e a narração é tão real que parece que ela enxerga. A cada plano, a realidade se funde com suas fantasias e fluxo de pensamento e somos desafiados a compreender o que é real e o que é imaginativo. Porém, o que cativa a atenção para o drama é a sensibilidade e solidão da protagonista e como ela vivencia a perda da visão, o esfriamento da relação com o seu marido Morten (Henrik Rafaelsen), a falta de libido e do sexo e o sentimento de rejeição.







Blind tem um roteiro que dificulta o entendimento mais racionalizado da situação de Ingrid. Não é linear, há uso de metáforas e simbologias e deixa um rastro de dúvidas sobre algumas cenas, logo não agradará a qualquer pessoa e esse é um dos seus diferenciais: Não é para ser um filme simples. É preciso olhar profundamente para entendê-lo! A cegueira de Ingrid é capaz de nos fazer enxergar além, quando a escuridão chega e só nos resta olhar para dentro de nós. Com um pouco mais de sensibilidade à função simbólica do longa, é possível perceber que Ingrid está isolada em todos os sentidos a começar como a história é construída e ela pode ser a manifestação de qualquer pessoa. Isso a torna uma personagem dramática que pode catalisar muitas de nossas angústias independente de cegueiras. Ela está como uma ermitã em seu próprio apartamento, o que lhe dá condições de criar o seu mundo e ter tempo para pensar no casamento, no desejo de ser mãe, na suspeita de traição etc. Ela também agrega outras personagens importantes, como sua semelhante interpretada por Vera Vitali. Tudo isso a faz existir além dos olhos cegos e traz à Tela sua condição humana com muito mais realismo e menos fórmulas cinematográficas prontas.


É notável que as situações são colocadas sob uma perspectiva fortemente sexual na qual ela usa o marido e outras personagens para narrar seus próprios desejos e medos, portanto este é um roteiro com abordagem psicanalítica e muito de seu mérito é a habilidade de Eskil Vogt em entregar esse trabalho de difícil concepção e edição e usar estratégias narrativas mais simbólicas. Também, esse roteiro deixa a possibilidade a cada um de nós exercer a nossa subjetividade a respeito da imaginação de Ingrid. Ela costuma escrever com seu laptop e ali se torna uma escritora do seu isolamento, nós, os seus leitores. Em uma das cenas, mesmo estando com a audição mais sensível e capaz de sentir a presença física do marido,  é como se ele não estivesse ali. Esta ausência do esposo, que pode ser um fingidor ou, de fato, estar fisicamente e afetivamente distante é muito interessante. Recursos como esse enriquecem a construção da narrativa porque podem ser visualizados como metáforas; é como dizer: "meu marido pode fingir que não está ali ou mentir que vai à Academia porque ele está tendo dificuldades de se relacionar comigo ou porque o casamento não faz mais sentido ou porque eu estou sentindo a sua ausência". As probabilidades de respostas podem ser muitas. Realidade ou não, Blind é um ótimo exercício metafórico e psicanalítico, mais uma excelente realização do Cinema Escandinavo.









Ficha técnica do filme ImDB Blind

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