Vaya, de Akin Omotoso é parte da programação da Mostra Cinemas Africanos
10 a 17 de Julho de 2019 no Cinesesc (SP)
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Diretor com reconhecida trajetória na África do Sul, Akin Omotoso tem experiência como cineasta e ator, tendo realizado até pontas em filmes como Diamante de Sangue e o Senhor das Armas. Seu longa "Vaya", presente na programação da Mostra de Cinemas Africanos em São Paulo é resultado de um projeto de 8 anos baseado em relatos reais de pessoas em situação de rua em Joanesburgo. Faz parte de sua maturidade na direção ao realizar uma dramática narrativa com 3 protagonistas excluídos socialmente.
A história inicia com uma viagem de trem brevemente filmada e a chegada dos 3 personagens a Joanesburgo: Zanele (Zimkhitha Nyoka), jovem dançarina que leva a sobrinha para ser entregue à Patrícia (Nomonde Mbusi), mãe da menina; Nhlanhla (Sihle Xaba), homem do interior que procura ajuda do primo para conseguir um trabalho; Nkulu (Msimang Sibusiso), que tem a missão de buscar o cadáver do pai e levá-lo de volta à família. Todos vieram de local pacato, são vulneráveis emocionalmente, não têm posses e nem dinheiro para sustento básico e precisam da ajuda de familiares na capital.
O diretor realiza uma boa direção partindo de um equilíbrio em cena ao retratar cada um dos personagens, demonstrando um bom senso entre direção de fotografia, edição e direção de atores. É um roteiro que não se aprofunda nos diálogos e nas histórias em si, porém, alcança uma harmonia que deixa evidente a situação vulnerável dos três personagens que não têm qualquer apoio real e afetivo dos familiares. Pelo contrário, são realmente negligenciados, tratados mal, enganados e/ou chantageados.
Muito do acerto comercial do filme é torná-lo mais palatável em meio à tragédia pessoal destes personagens. É um filme triste que não oferece saída positiva às pessoas, mas também há leveza na história através do humor e da ingenuidade de cada um deles. São bastante ingênuos (até demais!) e pessoas que, de certa forma, criam um elo de empatia com o público e acreditam que suas vidas podem melhorar, mas a verdade é que eles são empurrados para situações nas quais realmente ninguém se preocupa com eles. Eles estão sozinhos, abandonados na essência.
Os únicos momentos genuínos de afeto e solidariedade vêm das crianças( entre elas, a jovem Azwile Chamane-Madiba) e de um vendedor informal de eletrônicos que interagem com Zanele. Todos os outros coadjuvantes são violentos, falsos e/ou de moral duvidosa como os bandidões rivais entre si, Xolani (Warren Masermola) e Madoda (Mncedisi Shabangu) que pintam um retrato pessimista da cidade na qual quem manda é quem tem dinheiro, chantageia, engana e mata. Neste sentido, o elenco está bem afiado. Embora o roteiro não ofereça um maior aprofundamento na densidade dos personagens e diálogos, o elenco é bem comprometido e dirigido.
Nitidamente, Akin Omotoso não quis tornar seu filme demasiado cru e visceral, decisão que pode vir a frustrar determinados espectadores que preferem um drama social mais contundente, denso em subcamadas. De fato, há a crueza das relações sociais, do abandono familiar, da corrupção e violências da capital Africana, entretanto, ele não leva estas características ao limite cênico perturbador. Certas decisões da direção são pontuais, diretas ao ponto e rápidas, por isso, Omotoso perde a oportunidade de fazer cenas mais elaboradas, dramaturgicamente falando.
No centro da história, seu longa é sobre abandono familiar, um real beco sem saída para pessoas em situação vulnerável em uma cidade violenta e corrupta como Joanesburgo. A falta de humanidade é muito clara, como é relatado normalmente por vários moradores de rua que são abandonados por familiares. Os três personagens são usados, ignorados e/ou enganados. Corrupção, tráfico de drogas, violência contra a mulher, adultério e mentiras são abordados nas cenas que provocam mal estar em como estes personagens estão de mãos atadas. Quem deveria apoiá-los são os que o abandonam, situação que leva ao questionamento de onde estão os valores familiares no mundo contemporâneo.
Com a utilização de música urbana periférica como o rap / hip hop e tomadas com enquadramentos mais aéreos da metrópole, Omotoso intercala os momentos dramáticos mais intimistas e violentos com decisões de um cinema mais comercial, de fácil aceitação. Esta "suavização" abre espaço para não aprofundar demasiado as histórias pessoais, os diálogos, as emoções.
Ainda assim, "Vaya" é um bom filme ao retratar a luta pela sobrevivência em um contexto de falta de humanidade na qual as relações interpessoais são ligadas ao dinheiro, ao status e posição, aos interesses, aos egos e melindres. É um contexto que não está longe da realidade de tantas outras cidades do mundo onde a empatia é algo cada vez mais raro.
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