Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
É impressionante quando um diretor e animador muito jovem realiza um fascinante longa-metragem, sendo responsável por todas as etapas da produção, do design de som à edição. Se fosse um curta, ainda assim seria desafiador, no entanto, um longa metragem que lembra a qualidade visual e sutilezas narrativas das animações japonesas do Studio Ghibli é para aplaudir de pé e desejar que ele conquiste novos espaços profissionais.
Esse jovem que conseguiu essa maestria em seu primeiro longa é o letão Gints Zilbalodis, de 25 anos e realizador de Longe (Away, 2019), uma belíssima animação em 3D sem nenhum diálogo e cujo protagonista é um jovem adolescente que, acompanhado de um pássaro amarelo que se perdeu da família, realiza uma jornada de moto na qual é perseguido por um monstro sombrio.
Com uma estética impecável que apresenta a natureza com cores vivas, um roteiro que combina etapas semelhantes a um video game com realismo, uma incrível beleza visual de delicadezas e ações que dizem muito mais que palavras, Longe é um deleite para os olhos e o coração e uma bela narrativa de sobrevivência em um mundo desconhecido.
A história é estruturada em capítulos: oásis proibido, lago espelhado, poço dos sonhos e porto das nuvens. Cada uma destas fases são vivenciadas pelo protagonista sem nome que uma vez ou outra contracena com outros animais e tem que escapar continuamente do espírito sombrio. Além do prólogo no qual o garoto cai de paraquedas em uma terra de Edén, todos os capítulos são desenvolvidos com um contínuo crescimento dramático que se divide entre o efeito contemplativo e reflexivo da história e o suspense e medo da mortalidade.
Muito do mérito de Longe é sua personalidade estética e narrativa que, ainda que se assemelhe às emoções humanas catalisadas pelas animações japonesas, ainda é uma personalidade única, característica do foco do seu realizador. É bem provável que o diretor admira as animações de Hayao Miyazaki, que têm um primor estético e narrativo fora de série.
Gints Zilbalodis tem um completo controle de todas as fases. É um filme espontâneo, original na sua simplicidade e universalidade. É como uma pintura que ele está imerso em se comunicar através das imagens e do silêncio. Mesmo sem uma palavra sequer, cada cena se comunica com o público. Sua força e potência para a conexão humana é extraordinária.
O olhar humilde e assustado do personagem é capaz de realizar esta conexão, de despertar a empatia. Assim como ele sente medo do monstro, ele também tem a coragem necessária para avançar na sua jornada, de ajudar os animais como o pássaro amarelo, de superar suas próprias aflições. É um personagem sem nome e sem ego, mas que transmite vulnerabilidade e simplicidade como qualquer criança e jovem que precisa amadurecer, mas também ele dá conta de expressar o adulto fragilizado.
Esta característica do filme é bastante universal e poderosa para as narrativas cinematográficas na animação. É uma forma cada vez mais precisa de falar sobre e com humanidade. O garoto passa por uma provação, um purgatório como os episódios de sofrimentos que qualquer ser humano experiencia. A própria divisão da história em capítulos é como uma busca pelo Éden.
É interessante perceber a referência do monstro na história. Ele surge como aqueles monstros de filmes antigos, como uma sombra gigante, disforme e com olhos abertos. Mesmo com sua postura rígida a encarar o garoto, ele passa a impressão de, como todo espírito mau, surgir em cada uma das passagens em qualquer local, como uma sombra à espreita que pode se diluir e atacar a qualquer momento.
Seu rastro é mortal mesmo sem ele ser um vilão ativo; isso o torna uma figura peculiar. Essa fixação do olhar do monstro traz um silêncio absurdo ao filme, mas também possibilita pensar sobre a mortalidade e o sofrimento, além de uma necessidade emocional de fugir dele a qualquer custo.
Seu rastro é mortal mesmo sem ele ser um vilão ativo; isso o torna uma figura peculiar. Essa fixação do olhar do monstro traz um silêncio absurdo ao filme, mas também possibilita pensar sobre a mortalidade e o sofrimento, além de uma necessidade emocional de fugir dele a qualquer custo.
A direção, o som e a trilha sonora (composta pelo próprio animador) são combinadas de uma maneira harmônica que fazem um convite ao público adentrar essa natureza, ir junto com o garoto pelas paisagens em diferentes níveis de diversidade e desafios a cada capítulo, se emocionar com o que ele sente e vivencia. Na verdade, o filme é vivenciado com essa imersão subjetiva.
Como parte da programação do Anima Mundi 2019, o longa faz parte da sessão competitiva de longas - metragens infantis, mas não é um filme tão infantil. Por não ter diálogos e ter uma força metafórica significativa, seria recomendado idealmente para crianças a partir dos 8 anos, inclusive para crianças que não sentirão falta de maior agito; além disso, todos os adultos deveriam assistí-lo. É magnífico em sua simplicidade!
Exibição amanhã, 28 de Julho, às 14 h no Petra Belas Artes/Sala 2.
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