Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Estreia hoje, 25 de Julho, O Mistério de Henri Pick (Le Mystére de Henri Pick, 2019), um dos filmes de maior destaque no Festival Varilux de Cinema Francês 2019 e surpreendente nas bilheterias da França. O diretor e roteirista Rémi Bezançon ("Nosso Futuro") escreveu a adaptação com Vanessa Portal baseado no best-seller de David Foenkinos.
A história que enfoca um mistério em torno de uma biblioteca de livros recusados foi atrativa por possibilitar uma investigação literária. Na adaptação, diferente da obra original que tinha vários personagens, os roteiristas optaram por desenvolver a do personagem de Jean-Michel Rouche, crítico litérario cético e imaginativo que assume o comando da pesquisa neste instigante mistério.
Nesta imperdível comédia dramática, com sua sólida experiência, competência e leveza, o extraordinário ator Fabrice Luchini interpreta o famoso crítico. Após a jovem e ambiciosa editora Daphne Desperto (Alice Isaaz) encontrar um manuscrito em uma biblioteca Bretã, na parte de obras recusadas pelas editoras, ela publica o romance que faz grande sucesso editorial. Seu autor, Henri Pick, um fabricante de pizza bretão, morreu há anos atrás e não tinha o hábito de escrever e ler nada complexo. A partir desta estranha evidência, Jean-Michel Rouche acredita que o romance não foi escrito por ele e, com a ajuda da filha de Henri, Joséphine Pick (Camille Cottin), começa a investigação para descobrir a verdadeira autoria.
O longa tem qualidades decisivas como comédia dramática a partir de como o diretor articula e combina vários elementos na narrativa e sua execução de forma a dar um agradável tom de suspense e humor para o engajamento do público. A eficiência do filme se destaca também pelo seu ritmo.
Entre estes elementos, começamos com o cômico personagem de Fabrice Luchini, uma combinação de arrogância e inteligência com curiosidade e travessura. Ele é um crítico literário que tem um programa cultural na TV. Admirado por muitos, sua palavra como profissional tem reputação para o público literário e leitores(as). De um dia para o outro, com o sucesso meteórico de Henri Pick, Jean-Michel Rouche sofre uma inversão no seu cotidiano: passa a ser considerando louco e inconveniente por achar que a autoria do romance é uma farsa. Enquanto Henri Pick se eleva, o crítico literário circunstancialmente cai.
Entre estes elementos, começamos com o cômico personagem de Fabrice Luchini, uma combinação de arrogância e inteligência com curiosidade e travessura. Ele é um crítico literário que tem um programa cultural na TV. Admirado por muitos, sua palavra como profissional tem reputação para o público literário e leitores(as). De um dia para o outro, com o sucesso meteórico de Henri Pick, Jean-Michel Rouche sofre uma inversão no seu cotidiano: passa a ser considerando louco e inconveniente por achar que a autoria do romance é uma farsa. Enquanto Henri Pick se eleva, o crítico literário circunstancialmente cai.
Seu personagem é determinado e tem certeza de que a autoria de Henri Pick é uma grande mentira, o que leva à uma investigação com motivações muito pessoais. Desta forma, o público está diante de uma atuação focada e crível de Fabrice Luchini, no qual o personagem é um detetive amador, um peculiar híbrido de homem travesso e sério, porém conhecido especialista em Literatura, demonstrando que alguma razão ele deve ter. É possível dar um crédito a este cético crítico literário, o que torna o filme bem mais divertido.
A narrativa é alimentada pela imaginação e obstinação de Jean-Michel Rouche que, em excelente parceria com o personagem de Camille Coutin, realizam uma investigação envolvente e engraçada. Sua pesquisa literária é uma jornada viva dentro do filme, com isso, o espectador acompanha uma viagem pela Literatura e as paisagens magníficas da Bretanha. De certa forma, assistir a este filme é como entrar em um livro e ler a história em um lugar diferente e sublime bem longe da agitação cosmopolita.
O enfoque do roteiro é decisivo para esta qualidade ao colocar uma dupla de amadores como detetives, ou seja, pessoas comuns mas que são diferenciadas na expressão de suas ideias, críticas e questionamentos. Tanto Jean-Michel Rouche como Joséphine Rick têm personalidades marcantes e são personagens determinados e curiosos que buscam a verdade, mesmo com suas diferenças e conflitos.
A investigação é pessoal em duas vias: Jean-Michel quer descobrir quem é o autor brilhante por trás do romance e provar que Henri Pick não era capaz de escrever uma linha extraordinária, Joséphine quer saber a verdade do porquê usaram o nome de seu pai; afinal, por mais doloroso que seja, nenhuma filha gostaria de ver o sucesso de um pai baseado em mentiras.
Igualmente como ponto forte, o roteiro traz o elemento da dúvida que todo o mistério provoca e, de forma inteligente, coloca o livro como o detonador das várias dúvidas e ações para a resolução do mistério."Quem é Henri Pick?" "Quem escreveu este romance brilhante?" Se não foi Henri Pick, por que o verdadeiro autor escolheu logo ele como autor?". Estas diversas dúvidas abrem outras janelas para perguntas levando o público à dinâmica e tensa relação entre ficção e realidade.
Felizmente, o mistério em cena não tem um clima sufocante em função do cômico, do ritmo e da qualidade do elenco. O ritmo é essencial porque há um dinamismo na investigação que não pode parar e cair no desinteresse ou descrença do público. Neste aspecto, o diretor foi bem sucedido ao conseguir alcançar um ritmo narrativo que é intrínseco ao gênero comédia e absolutamente necessário. Sem este timing, o filme seria um fracasso ou deixaria muito a desejar. Cabe considerar que este bom ritmo acontece bem por causa da própria competência de Fabrice Luchini para a comédia, para o improviso. Tanto que ele improvisou em cena. Sendo ele um ator muito experiente com background do teatro, o papel de Jean-Michel lhe caiu como uma luva.
Bastidores: o grande Luchini
O cenário da Península de Crozon é um personagem encantador que suaviza o ambiente da história e leva o público para outra "aura", bem coerente com a literatura, as pequenas bibliotecas e vilarejos em regiões distantes. As escolhas das locações e cenários combinados com uma boa fotografia e direção de arte tornam este mistério visualmente mais degustativo. É como efetivamente visitar a Bretanha e sair a conhecer as histórias desta biblioteca estranha e perdida em um lugar tão bucólico e antigo. É possível imaginar os manuscritos empoeirados nas estantes, esquecidos com o tempo, de vozes que foram silenciadas por suas ideias excêntricas e comercialmente desinteressantes.
Ademais, outro aspecto que não deve ser desconsiderado na apreciação desta obra é a relação entre Literatura e mercado editorial. Em certo ponto da história, o espectador tem a possibilidade de observar a questão mercadológica do "marketing" para a publicação de um livro, sua relação com o autor da obra, a importância da autoria e o comportamento de alguns editores como Daphe. Com o personagem de Bastien Bouillon, namorado de Daphne, o público observa os desafios do jovem escritor e seu ingresso no universo literário. Todos estes aspectos são contemporâneos. Ainda que o filme seja imaginativo, eles possibilitam uma ponte entre ficção e realidade.
Rémi Bezançon e Fabrice Luchini : parceria que deu muito certo
Rémi Bezançon avança como cineasta ao se lançar em uma combinação de gêneros que fogem à dinâmica de seus filmes anteriores, que foram mais introspectivos. Aqui ele realiza uma excelente orquestração ao deixar em evidência sua habilidade como diretor de atores, inclusive de atores experientes no Cinema Francês como a dupla de detetives (Luchini e Cottin), como também os mais jovens e emergentes como Alice Isaaz e Bastien Bouillon.
O próprio Luchini elogia o trabalho do diretor e o roteiro : "Ele (Rémi) não quer dominar tudo. Seu outro grande talento está nos dando a sensação – o que é raro – de fazer o filme juntos. Desde o começo, senti que estávamos indo na mesma direção, ele e eu. Às vezes, o ponto de vista do diretor e do ator divergem. No caso do O MISTÉRIO DE HENRI PICK, fizemos o mesmo filme".
E para o público, ele pôde dizer que o filme causará risos (e ele não está errado), o filme entretém bem: "tenho a intuição de que o filme vai causar um sorriso. Há suspense, humor, travessura. Eu odeio dizer isso, mas faz muito tempo desde que estive tão feliz em um set, eu espero que o público sinta isso. Porque, se o nosso trabalho é proporcionar-lhe prazer, experimentá-lo também nos permite transmiti-lo (...) Rémi concebeu uma fantasia feliz."
E para o público, ele pôde dizer que o filme causará risos (e ele não está errado), o filme entretém bem: "tenho a intuição de que o filme vai causar um sorriso. Há suspense, humor, travessura. Eu odeio dizer isso, mas faz muito tempo desde que estive tão feliz em um set, eu espero que o público sinta isso. Porque, se o nosso trabalho é proporcionar-lhe prazer, experimentá-lo também nos permite transmiti-lo (...) Rémi concebeu uma fantasia feliz."
Com um roteiro bem escrito em torno de um mistério literário pelas belas paisagens bretãs, "O Mistério de Henri Pick" é indubitavelmente uma fantasia feliz e imperdível!
(3,5)
Fotos e trechos da entrevista com Fabrice Luchini, uma cortesia da A2 filmes. Fonte: press book, O Mistério de Henri Pick, Rémi Bezançon
0 comentários:
Caro (a) leitor(a)
Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.
Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.
No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.
Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.
Saudações cinéfilas,
Cristiane Costa, MaDame Lumière