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Por Cristiane Costa Uma das belezas do Cinema é quando um(a) cineasta tem um encontro sensível e verdadeiro com um universo temát...

Tomboy (2011) : um sensível drama sobre a infância e o transgênero




Por Cristiane Costa



Uma das belezas do Cinema é quando um(a) cineasta tem um encontro sensível e verdadeiro com um universo temático no qual o seu talento, competência e interesse genuíno fazem a diferença e resultam em bons filmes. Uma delas é Céline Sciamma, roteirista e  diretora Francesa que aborda questões sobre a infância, a puberdade e os ritos de passagem da adolescência. Com uma habilidade excepcional em trabalhar com crianças e adolescentes, Sciamma toca em temas delicados e/ou nevrálgicos no processo de amadurecimento da criança e do jovem como a identidade e gênero, a violência, o amor, o desejo, a sexualidade, a amizade. Dentro desse amplo enfoque, ela sabe abordar diferentes problemáticas e assegurar uma diversidade de  realidades, crianças e jovens em seus 3 longas: Lírios D'agua (2007), Tomboy (2011) e Garotas (2014).


Tomboy é o seu filme mais sensível e com o tema mais desafiador:  a infância e o transgênero. Laure (Zoé Héran) nasceu menina, porém tem a aparência física, se veste e  se identifica como um menino. Após a família mudar para uma nova vizinhança, Laure se apresenta como Mickäel na sua socialização com outras crianças e tem um verão antes das aulas para brincar e fazer novos amigos. Mesmo sendo muito jovem, Mickäel quer ser aceito como é, porém está ciente de sua condição, e a todo o momento, faz uso de manobras para ninguém descobrir que tem corpo de menina. Com uma direção realista de Cinema independente e com um fantástico mix de tato e sensibilidade, Sciamma coloca Laure/Mickäel em várias situações como jogar futebol, descobrir o amor, sofrer humilhação etc em um filme que tem muito mais a dizer aos adultos sobre o tema.




Da infância à puberdade: despertar do amor 



A estrutura do roteiro e a escolha dos personagens já antecipam que o foco é o universo de Laure/Mickäel e sua relação com as outras crianças, principalmente com sua irmã Jeanne (Malonn Lévana) e com sua amiga Lisa (Jeanne Disson). Os pais estão lá, presentes e afetuosos mas estão alheios àquela realidade do transgênero. São como peças cegas no tabuleiro. São como pais que só quebrarão o silêncio em último caso. Essa decisão de Sciamma é fantástica porque a ideia do filme não é criar uma polêmica em cena e gerar uma atmosfera negativa. A própria cinematografia que acompanha Laure/Mickäel em suas brincadeiras em um verão bucólico e em seus belos momentos de interação com sua encantadora irmãzinha não combinariam com discussões pesadas de adultos.




Zoé Héran: a real boy em cena!


O desafio da criança transgênero, sua aceitação e interação na sociedade existem em cena, a diferença é Sciamma faz um recorte do que realmente quer apresentar. O foco é claro e os limites também, logo espere um drama sutil e terno. Tomboy chega a um nível de conciliação de momentos dramáticos e cômicos muito bem alicerçados por um elenco infanto-juvenil incrível, juntos a nos colocar em uma sublime energia de experiência cinematográfica. Aqui, o propósito é mais profundo  no universo da criança à medida que neutraliza o que os pais acham e suas ações, não para exími-los de responsabilidades mas para colocar Laure/Mickäel em contato conosco e nos fazer refletir sobre gênero e identidade, entrar um pouco mais em sua condição de transgênero. Ainda que seja um assunto que poucos conhecem, carregado de preconceitos  e que precisa ser cada vez mais explorado abertamente no Cinema, Tomboy nos incentiva a pensar em uma criança como ela e os desafios diários que ela tem ( e terá que lidar) em sociedade. Como alguns dramas que tratam o universo infanto-juvenil e a crueldade que também há na interação entre crianças, Tomboy não explora tantos conflitos entre Laure/Mickäel e seus novos amigos, porém coloca alguns suficientes para dar uma dimensão de que a puberdade é uma fase angustiante, de descobertas, dúvidas e inquietudes.





Malonn Lávana e Zóe Héran:  afeto e aceitação na família




A grande força do longa é Zoé Héran , em completo estado de graça no visual e na atuação. Ela consegue incorporar  o menino que ela é em cena com um grau de perfeição inacreditável. Por diversas vezes, olhar para Mickäel e reconhecer que Laure é um autêntico menino faz mais sentido. Ela é como uma estranha em si mesma, não somente fisicamente mas comportamental mente .   Ainda que a caracterização física da atriz foi realizada para ela ser um belo menino e tem uma forte presença na tela, é a magnífica dramatização de Zoé Héran que faz a diferença no conflito pessoal. Ela está muito convincente no papel. Sciamma conseguiu guiá-la em enquadramentos que possibilitam a expressividade angustiante de Laure/Mickäel. Com olhares e gestos sutis que unem a inocência, a timidez, o amor, o medo , entre outros, Zoé Héran aproxima seu personagem do público, dando muito a entender que Laure/Mickäel está realmente sofrendo e não sabe como se comunicar, para onde escapar. É uma realidade que a deixa presa em dois mundos bem diferentes, tanto que, no núcleo familiar, ela é  apenas realmente compreendida por Jeanne, sua irmã divertida e dócil, que está livre de julgamentos e preconceitos. Malonn Lévana rouba a cena e garante cenas cheias de amor, ternura e bom humor.


E o filme tem esses  belos momentos de amor entre as crianças. Amor de irmã. Amor de amiga. Eles falam muito da aceitação do outro e trazem uma ideia muito nobre para esse sensível drama sobre a infância e o transgênero, a de que é preciso amar o outro desde criança. Muito mais do que um excelente filme para adultos, Tomboy é obrigatório para as crianças e jovens. Onde há amor, haverá o respeito ao outro e às suas diferenças.







Ficha técnica do filme no ImDB Tomboy

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