Saint Laurent, de Bonello: uma cinebiografia apoiada pela estética
Por Cristiane Costa
Cinebiografias são um terreno instável na indústria audiovisual. Elas personificam icônicas personalidades, ora com filmes de qualidade insuperável e aderência à biografia, ora com filmes medianos e aquém de uma mínima e boa homenagem. Neste tipo de produção, é possível encontrar opiniões polarizantes e divergentes, por isso, quando um(a) cineasta decide dirigir uma cinebiografia, ele(a) precisa conhecer muito bem quem é a personagem na essência, ou ter uma equipe competente de pesquisa para a devida investigação histórica e pessoal da figura pública em evidência, assim como definir qual é a sua intenção ao contar essa história, qual recorte ou foco narrativo levará em conta para decupagem, como emulará o DNA da personalidade no longa e a verossimilhança da obra audiovisual, tanto no plano ficcional (história) como no plano estético e de linguagem (figuro, direção de arte, fotografia, som etc).
Yves Saint Laurent: Por trás da aparente fragilidade, um gênio da moda
Em seu longa - metragem Saint Laurent (2014), Bertrand Bonello deixou uma tênue impressão digital de Yves Saint Laurent (YSL), magnífico fashion designer Francês que revolucionou a moda feminina, e com sua inventividade e talento para criar o prêt-à-porter, contribuiu com um novo padrão de moda em detrimento à Alta Costura (Haute Couture) das grandes maisons Francesas. O estilista ditou um estilo audacioso e libertário de se vestir, alterando o rumo dos comportamentos femininos no cenário fashion. Elas começaram a trajar mais ternos de fino corte e cores em tecidos esvoaçantes, influências de YSL baseadas em suas experiências com o universo masculino, a liberdade de se sentir à vontade na própria roupa e pele e suas viagens à Marrakesch no Marrocos, lugar no qual tinha uma casa e se refugiava para desenhar suas criações. Se por um lado, sua mente genial, criativa e seu espírito visionário foram favoráveis à História da moda e ao seu sucesso empresarial, por outro lado, YSL enfrentava as dificuldades pessoais como a timidez, a fragilidade física, a depressão e o vício em drogas. A atuação de Gaspard Ulliel como YSL é uma deslumbrante personificação do estilista. O ator é a alma do filme e transita naturalmente entre a elegância, a perversão, a sedução, a criatividade e a fragilidade do icônico fashion designer, entregando uma performance hipnotizante.
Bonello capturou bem aspectos importantes do legado fashionista de Yves Saint Laurent, de sua personalidade e mazelas pessoais: seu vício em remédios, a relação afetiva e de negócios com seu companheiro Pierre Bergé (Jérémie Renier), o crescimento da marca YSL no mercado de luxo, os altos e baixos de sua saúde e o relacionamento com seu amante Jacques de Bascher (Louis Garrel). Fez um recorte temporal entre 1967 e 1976 que tem como uma das forças mais dramáticas e comoventes o grande desfile de YSL inspirado nas cores e tecidos orientais. Porém, ainda que há um rico material de pesquisa, excepcional fotografia, senso de perfeição em elegantes e contemplativos enquadramentos, uma bela adequação do figurino, da maquiagem e da direção de Arte ao período e a competência do elenco, este longa-metragem não emociona como o de seu contemporâneo, Yves Saint Laurent (2014), dirigido por Jalil Lespert. São filmes totalmente diferentes. Lespert realiza um filme "comercial" com uma narrativa didática, de conflitos abertos em cena e com uma dramaturgia intensificada no relacionamento entre o estilista e Pierre Bergé, que recebem maior foco. Lespert realiza uma grande novela da vida de YSL, portanto, seu filme é mais fácil de assistir. Bonello realiza um exercício cinematográfico de estética do mundo do estilista, capta a atmosfera do universo YSL e entrega um filme artístico, autoral, contemplativo.
Jacques de Bascher (Louis Garrel), amante de Saint Laurent
Nesse sentido, Bonello se engajou em deixar uma marca muito pessoal de sua direção em Saint Laurent. É uma cinebiografia que evoca um dos períodos mais criativos do estilista e tem um roteiro que mais sugere quem foi YSL do que se preocupar em explicar os conflitos e elaborar grandes cenas dialogadas, o que pode ser positivo para alguns fãs e curiosos que apreciam um "Cinema Arte". No mais, Ulliel e Garrel estão em um entrosamento sedutor, embalados pelo charme, beleza e tragédia de seus personagens, a relação homossexual surge com todo o seu desejo. No geral, Bonello investe mais tempo nos planos de socialização do estilista e explora suas festas, viagens, amigos, equipe de trabalho, amantes e estilo de vida. Nota-se que o diretor domina os códigos do universo LGBT na sua direção, integra-os na estética e nos comportamentos das personagens e explora levemente a relação de perversão e romance entre Jacques de Bascher e YSL e a liberdade sexual da época, resultando em um interessante approach para demonstrar o quanto Bascher não era só um charmoso conquistador, ele e YSL foram apaixonados e intensamente devotados a desfrutar as loucuras do amor e do sexo.
Ficha técnica do filme no ImDB Saint Laurent
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