Por Cristiane Costa
Um filme sobre depressão exige uma entrega profunda do ator/atriz principal com os cuidados para equilibrar o isolamento social, a melancolia, a tristeza e a paralisia na ação com o que realmente ocorre com pessoas depressivas na vida real. Jennifer Aniston, indicada ao Globo de Ouro e SAG 2015 pela sua atuação em Cake - uma razão para viver recebeu o peso dessa responsabilidade. Ela é Claire Simmons, uma mulher que carrega o trauma de ter perdido o filho. Viciada em remédios, com recorrentes atitudes agressivas e em estado depressivo, Claire é o tipo de personagem de um filme solo. Coube a Jennifer Aniston realizar uma atuação dilacerante, equilibrada entre as brechas e vulnerabilidades emocionais da perda do filho, a espiral autodestrutiva da doença e o pequeno desejo de superação. Apesar dos esforços da atriz, que realiza bem o seu papel, Cake tem um roteiro que é mais paralisante do que uma depressão.
O diretor Daniel Barnz realizou um filme com plot ambicioso em sua proposta dramática sobre um doença silenciosa. Até aqui não há nenhum problema em sua ambição, a
depressão é paralisante, complexa, limitadora. É uma condição abismal que puxa o individuo para a indiferença, a raiva e muitos sentimentos que deixam a vida em preto e branco. Ela se desdobra em efeitos previsíveis
já identificados por um diagnóstico clínico e pela literatura da
Psiquiatria e Psicologia, em ações que podem ser amplamente colocadas em cena para uma conexão com o público, assim como efeitos imprevisíveis que pioram o estado do doente a depender do grau de severidade do transtorno. Ter a ideia de abordar essa realidade para o Cinema faz parte da miserável condição humana em uma sociedade cada vez mais doente.
Porém, o risco de Daniel Barnz e do roteirista Patrick Tobin foi ter produzido um filme que não insere o depressivo em um cotidiano de interação verdadeira com as pessoas e não faz um bom desencadeamento das situações. Esse roteiro é preguiçoso. Ele não guia sua protagonista a um enredo bem estruturado e corajoso o suficiente para contar uma boa história sobre depressão. O longa se perde exatamente na narrativa e no desenvolvimento das personagens e deixa Jennifer Aniston sozinha para salvar o filme. O próprio longa não a ajudou a competir na categoria de melhor atriz do Oscar 2015. Por mais que a atuação dela foi positiva, muito provavelmente a Academia olhou torto para Cake.
O roteiro transita entre apresentar comportamentos de risco de Claire que costumam ocorrer em alguns transtornos mentais como o vício em remédios, as alucinações, o sexo casual, a impulsividade, a agressividade, entre outros, e revelar o quanto a situação dela, mesmo sendo uma mulher endinheirada, é uma miséria humana. Recorrer a essas estratégias de repetir comportamentos de risco e criar um elo para o público ter piedade de Claire não são mais suficientes para contar uma história sobre depressão. Também há escolhas que são uma completa "viagem" do roteirista e que pouco agregam ainda que estejam em um contexto de perdas e encontros afetivos, como por exemplo, colocar Nina Collins (Anna Kendrick), uma ex- colega suicida de Claire em seus pesadelos e, depois, Claire conhece o ex-marido de Nina, Roy (Sam Worthington). O elenco coadjuvante é desperdiçado e não tem uma função dramatúrgica relevante. Uma evidência clara desse descaso com o desenvolvimento dos personagens é Sam Worthington, que poderia entrar quieto e sair calado e não faria qualquer diferença para a história.
Cake enfrenta como inimigo sua própria ambição narrativa. A história reforça a inexperiência do roteirista e a falta de direção do cineasta. Para quem conhece um pouco mais da depressão, saberá identificar que quem escreveu a história não quis se arriscar a criar situações mais palpáveis para uma mãe que perde o filho e é desafiada a continuar sua vida. Não basta incluir os efeitos da depressão, caprichar na fotografia com ares melancólicos, colocar Jennifer Aniston para ter dores crônicas e o rosto cheio de cicatrizes . Cake é um filme que não compreende o depressivo, que prefere tratar o drama na superfície do que encarar e se aprofundar na doença, que prefere isolar o depressivo do que colocá-lo em situações reais no qual sua humanidade pode ser sentida. Se não fosse por Jennifer Aniston, não haveria razão para Cake viver.
Ficha técnica do filme ImDB Cake - uma razão para viver





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