Por Cristiane Costa
Dirigido por Peppe Siffredi e Raphael Bottino, o documentário A Viagem de Yoani traz como personagem real a polêmica blogueira cubana Yoani Sánchez que, após inúmeras tentativas de sair de Cuba , conseguiu permissão para viajar ao exterior em 2013. Seu primeiro destino foi o Brasil . Com seu blog Generación Y, ela inicia sua campanha pessoal por sua liberdade de expressão, o seu direito de ir e vir e de ser contra posturas e ações ditatoriais que minam a liberdade em seu país.
Foto Divulgação: Yoani Sánchez no Brasil
Devido à sua grande visibilidade na época, ela se destacou na mídia por enfrentar o governo dos Castros, conquistou admiração por sua postura articulada, corajosa e libertária, porém também despertou rejeição e ódio por ser considerada uma traidora do governo Cubano, suspeita de ter alianças e receber investimentos dos USA e ser elemento de manobra midiática da direita e do Capitalismo.
O projeto do filme começou como um trabalho de pesquisa sobre tecnologia e pessoas relacionadas ao movimento da liberdade de expressão em meio virtual e se transformou em um filme sobre Yoani e sua viagem ao Brasil. Outros dissidentes foram entrevistados, porém, com sua figura pública engajada e global em uma seara política delicada como a de Cuba, Yoani se destacou como uma personagem realmente interessante para abordar o tema da liberdade.
O documentário assume uma posição mais investigativa e joga para o público o livre arbítrio de achar o que bem entende, para isso, ele enfoca os bastidores da viagem de Yoani durante o lançamento do seu livro, entre outros compromissos, e toda a dinâmica midiática da época, com suas aparições em debates políticos em universidade, entrevistas para grandes veículos de comunicação e coletivas de imprensa, além de apresentar um bom trabalho de montagem com uso de animação por Ricardo Fernandes e Gabriel Pitar, trilha sonora original de Marina de La Riva e Binho Feffer e textos da própria blogueira. Com tomadas em Cuba e Brasil e uma bela fotografia da ilha, o longa aborda o início do trabalho de Yoani como blogueira, o contexto político e social de Cuba, as dificuldades dela sair do país, suas ideias e pensamentos libertários. Nas cenas no Brasil, o enfoque é dado às reações dos Brasileiros, principalmente de esquerdistas, e como Yoani transitou pela mídia.
Fotos: MaDame Lumière.
Peppe Siffredi , Raphael Bottino e Suplicy em cabine de imprensa
para divulgação do filme.
O longa ganha muito mais pelo cuidado na pesquisa, por diversificar e suavizar a montagem do filme com outros recursos narrativos interativos e animados e em posicionar a câmera como uma testemunha desses bastidores. Todas essas ações contribuem com a pesquisa abrangente sobre o fato, ampliam o campo de visão do público e tornam o documentário mais atrativo. O trabalho de câmera é bom para um documentário porque, nos conflitos, fica claro que as pessoas se posicionam de forma a silenciar o outro como bem esclarecido pelos diretores. Elas não querem dialogar e chegar a um entendimento do que o outro pensa, apenas preferem xingar ou se manifestar mais emocionalmente contra ou a favor de Yoani. Dois exemplos claros desse comportamento intolerante e incapaz de estabelecer comunicação de mão dupla são vistos na presença da blogueira em uma Universidade de Feira de Santana (BA) e em uma entrevista no auditório da Livraria Cultura (SP).
Esse comportamento rígido de boa parte das pessoas vai contra a liberdade de expressão do outro, o de se fazer compreendido, o de ter um espaço para o diálogo, o alinhamento e a ação conjunta. Falta empatia nas pessoas quando elas adentram um cenário de diferenças ideológicas ou políticas, por isso Yoani também é mal recebida. Ao ver A viagem de Yoani no contexto atual do governo Dilma, não há como não lembrar dos egos e posturas de guerra que vêm sido adotadas por várias pessoas na Política, nas quais também o outro é silenciado e os mais intolerantes se esquecem de que todos estamos no mesmo barco e precisamos de soluções. Essa é uma das boas perspectivas do longa como experiência cinematográfica para o grande público e traz como ganho a possibilidade de observar essa dinâmica desafiadora que é aceitar a opinião do outro e ter liberdade para defender suas ideias e escolhas.
Também enriquecedor é observar Yoani. Embora muito clara com relação à sua liberdade e apontar uma postura segura de si, ela é um mistério. Por mais que os diretores se empenharam na pesquisa, os bastidores da sua viagem não exploram quem ela é, somente é possível captar nuances de sua personalidade, podendo concluir que ela assumiu uma postura mais diplomática em sua viagem ao Brasil e tentou fugir de embates se ela é de direita, esquerda ou centrista. Assistir a A Viagem de Yoani é como, a todo o instante, ter em mente um tom imparcial e de dúvida: "Olhe mais perto e veja como as pessoas reagem a Yoani. Quem é essa mulher, afinal? Será que podemos pensar só em liberdade de expressão como principal argumento de uma figura polêmica como ela?" Também estamos vendo as reações políticas. De que lado ela está? Ela não precisa estar em nenhum lado, se ela quiser".
Suplicy participa de um dos momentos mais intensos do documentário
Certamente, sua figura controversa levanta dúvidas de quem ela é e quais são suas intenções políticas, considerando que seu discurso é racional , seguro e sustentado pela liberdade de expressão, em um primeiro plano e, mais adiante, ela afirma o quão contrária é ao governo de Fidel Castro e todo o atraso social, econômico , político que uma ditadura representa. Aqui, não importa tanto qual é posicionamento político de Yoani já que ela aparece ao lado de Eduardo Suplicy e , depois, paparicada por figuras políticas e de comunicação da Direita e recebida como celebridade no Congresso Nacional. O que vale mais a pena é perceber que, independente de quem ela seja, heroína ou vilã, ela é uma pessoa comum, com direito de ser quem ela quer, assim como eu ou como você. Nesse aspecto, o longa vem a agregar com uma visão mais ampla da liberdade de imprensa e da liberdade individual, colocando o público como observador do que Yoani pensa, de como se expressa diante dos holofotes e, principalmente, de como ela tomou uma decisão pessoal de ter uma voz, uma voz que não pode ser silenciada assim como a de cada uma de nós.
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