Por Cristiane Costa, Editora, blogueira e crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Em um diálogo entre a ficção literária e o cinema, o realizador Italiano Saverio Constanzo inspirou-se na obra Il bambino Indaco (o menino índigo), de Marco Franzoso, para abordar em "Corações Famintos" a tensão vida e morte entre um jovem casal após ter um filho. Protagonizado por Adam Driver (de "Paterson") e Alice Rohrwacher (de "As maravilhas"), a adaptação transita entre o drama e o suspense no cotidiano dos pais que têm diferenças sobre como cuidar da criança.
Diferente do início do livro, que marca o mistério do enredo, Constanzo decide mostrar o início do relacionamento entre Jude (Driver) e Mina (Rohrwacher) com um encontro casual e divertido que evolui para uma gravidez repentina. Na superfície, começa como um filme indie sobre relacionamento afetivo com um casal apaixonado que tem que se adaptar à rotina de pais. Entretanto, surge o melhor que o interessante plot tem a oferecer sobre o horror que tem na obra literária: Mina é uma mãe que acredita que seu filho é uma criança índigo, um ser que deve ser purificado. A partir daí, essa crença advinda da Nova Era inferniza a relação familiar em uma angustiante espiral de desiquilíbrio psicológico e destruição.
O diretor tem um plot bastante complexo que combina temas controversos como anorexia, veganismo e depressão, porém não explora tanto o potencial da obra no desenvolvimento da narrativa. Tem um esforço extra de compor determinadas cenas com enquadramentos que remetem ao desequilíbrio e prisão domiciliar para reforçar a disfuncionalidade desse lar. Poderia ter apostado mais no suspense e mistério do livro original. No geral, mesmo que as atuações da dupla sejam bem dolorosas e ambíguas, com destaque para a de Adam Driver, o roteiro não oferece situações-conflito distintas e variadas para esses atores. Assim, o casamento está sob risco, a criança, igualmente. Mina precisa de ajuda psicológica e Jude não sabe como agir. Cabe à plateia assistir ao quão doloroso é estar nesse lar e os riscos para a criança.
Inspirado pelo estilo de Roman Polanski e por um romance que relaciona o horror, o mistério e o drama, Constanzo perde alguns chances de reelaboração do suspense por conta do efeito repetitivo de sua decupagem. É notável que ele se posiciona mais no drama e menos no horror, então está longe de emular Polanski nesse trabalho, por isso seu trabalho deve ser analisado sem essa comparação. Por outro lado, apresenta uma história que, independente da forma como foi dirigida, tem muito a agregar à reflexão sobre o desenvolvimento infantil e a maternidade: a importância de cuidar da mãe. Há uma alta escala destrutiva para o lar e a criança quando distúrbios mentais se desenvolvem em mães através de estilos de vida e crenças pouco ou nada saudáveis ou de prontidão para transtornos psiquiátricos que nem mesmo elas podem controlar. Cuidar da mãe é vital!
De modo devastador, o que permanece em Corações famintos como um incômodo persistente é a impotência de não saber como lidar com o estado de Mina. Um estado que se divide entre o amor e a loucura, a proteção e a ameaça. Um estado que nem mesmo ela tem forças para lutar porque lhe parece o certo. Como observá-la sem sentir raiva? Como ajudá-la sem julgá-la? Esse incomodo permanece após a experiência com o filme. Vítima ou não, Mina é uma mãe doente. Vê-la nesse profundo estado de fragilidade mental, deixa algumas reflexões como: O amor tem essa linha tênue entre fazer o bem e o mal, mesmo que a intenção e a forma de amar seja a que julgamos correta? Até que ponto o nosso jeito de amar é saudável para o outro?
Ficha técnica do filme Imdb Corações famintos





0 comments:
Caro(a) leitor(a)
Obrigada por seu interesse em comentar no MaDame Lumière. Sua participação é essencial para trocarmos percepções sobre a fascinante Sétima Arte.
Este é um espaço democrático e aberto ao diálogo. Você é livre para elogiar, criticar e compartilhar opiniões sobre cinema e audiovisual.
Não serão aprovados comentários com insultos, difamações, ataques pessoais, linguagem ofensiva, conteúdo racista, obsceno, propagandista ou persecutório, seja à autora ou aos demais leitores.
Discordar faz parte do debate, desde que com respeito. Opiniões diferentes são bem-vindas e enriquecem a conversa.
Saudações cinéfilas
Cristiane Costa, MaDame Lumière