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Por  Cristiane Costa ,  Editora, blogueira e crítica de Cinema, e specialista em Comunicação   "Meu pai não deveria ter parti...

O filme da minha vida





Por Cristiane Costa,  Editora, blogueira e crítica de Cinema, especialista em Comunicação 


"Meu pai não deveria ter partido na mesma noite da minha volta. Nem ao menos consegui abrir minha pasta para mostrar-lhe meu diploma. Minha mãe e eu choramos." Este sincero depoimento que exterioriza a ausência de um pai é um dos tantos belos existentes na obra "Um pai de Cinema", do escritor Antonio Skármeta. Adaptado para o cinema em "O filme da minha vida", de Selton Mello, conta a jornada de amadurecimento de Tony Terranova (Johnny Massaro), jovem professor que, após estudar no exterior, retorna à sua casa e não encontra o pai Nicolas (Vincent Cassel). Com pesar, ele e a mãe Sofia (Ondina Clais) têm que levar suas vidas adiante, constantemente com essa dúvida: por que Nicolas partiu e abandonou a família? Independente da resposta, esta é a história sobre um filho.




Com um filme cheio de ternura e graciosidade, Selton Mello  realiza um belo trabalho de contação de história na qual o rito de passagem de um jovem é revelado com uma delicadeza e senso de humor inesquecíveis. Não há como sair indiferente da sessão. O filme inspira a buscar aquela nostalgia da vida que é tão intimamente unida ao próprio ser : em qual momento amadurecemos de verdade? Quando nos apaixonamos? Quando descobrimos o conforto e o prazer do amor? Quando sentimos saudades de alguém? Com suas descobertas, amores e desejos, a vida de Johnny dá um ar de juventude, afeto e esperança que suaviza a penosa realidade fora das telas. Mostra que, ainda que a vida tenha tristezas, decepções e ausências, há tempo para o recomeço, a continuidade, o perdão e o amor.




A espetacular fotografia de Walter Carvalho, que cria um mundo especial no Sul do país, região de Bento Gonçalves, valoriza uma terra pouco explorada no Cinema. Sua excelência na Arte, em sinergia com a direção de Selton Mello, leva a plateia a um lugar que tira as preocupações por algumas horas. É como colocar o público em um sereno universo litérario ou um encantador filme Italiano que enche os olhos com sonhos poéticos. 



Não menos importante, o excelente elenco legitima a candura da história. Petra (Bia Arantes) e Luna (Bruna Linzmeyer) são as belas e misteriosas irmãs que despertam a curiosidade de Tony e  trazem, cada uma a seu modo, esses ingredientes tão essenciais para o amadurecimento de um homem: o desejo, o amor, a amizade, a insegurança, a timidez, a rejeição.  O versátil Selton Mello, no papel de Paco, atua como um homem rústico, direto na opinião, de humor sarcástico. Com proeza, o ator consegue entregar o papel de um bruto  que tem senso de humor e facetas de médico e monstro também, garantindo bons momentos. A participação de Rolandro Boldrin, como o maquinista Giuseppe, traz grandes ensinamentos como o respeito à  experiência, a longanimidade e a memória dos mais velhos, afinal, há que ter generosidade com o tempo das coisas e do ser humano.





Irremediavelmente, a força do elenco está na escolha perfeita por Johnny Massaro e Ondina Clais, filho e mãe juntos, eternos agora no Cinema Brasileiro. Muito mais que ser o principal núcleo dramático, o da família abandonada, Massaro e Clais são muito diferenciados aqui e bem alinhados à dramaturgia de seus personagens. Entre os silêncios e a escuta no lar, ambos vivem a dor dessa partida inexplicável. Ao mesmo tempo, existe uma cumplicidade e companheirismo comoventes. Johnny Massaro se destaca como um crível ator da sua geração, com uma preparação física e interpretativa que lembra aqueles belos atores do Cinema Francês que estão em um momento de desabrochar do charme, da beleza, da graça e do talento. Sua performance tem um frescor sedutor combinada a uma docilidade no olhar e no sorriso que flerta com a câmera. 



Já Ondina Clais, advinda do teatro, tem uma performance incrivelmente humana, arquetípica, melancólica. A vulnerabilidade da mulher que ama, cuida e é abandonada mostra ainda mais a força de ser mulher e mãe com a entrega de Clais. Os enquadramentos de sua personagem Sofia estão entre os mais poeticamente viscerais, sensíveis e dramáticos. O diretor apresenta bastante sensibilidade para criar momentos imagéticos que um olhar, uma hesitação, um silêncio dizem mais do que muitos diálogos, dando assim uma conexão mais íntima, universal e atemporal com a história.





Selton Mello acerta em manter a poesia do livro original, ainda que mude alguns nomes e locações. Segue uma direção precisa, intuitiva, empática. Ele é um dos poucos cineastas ideais para adaptar uma obra do escritor com tamanho senso poético que combina com o estilo da Literatura de Skármeta, assim, a parceria foi eficaz tanto do ponto de vista artístico como também mercadológico, podendo até render uma indicação para o Oscar 2018.  Desde "O Palhaço", o diretor já havia demonstrado que não há limites para a sua poesia cinematográfica, de que ele consegue, através de uma doce simplicidade, muita experiência com Cinema e background cinéfilo, trazer histórias que combinam o humor, a liberdade, o amor e a esperança. 



"O filme da minha vida" é delicioso de assistir! Eleva o espírito. Conforta a alma. Aquece o coração.  É um comovente desabrochar de uma vida que, teria de tudo para se perder com a ausência do pai, entretanto, Tony supera. Tem essa sensibilidade dos  meninos bons, dos raros garotos que merecem passar à fase adulta com momentos marcantes, fortes e inspiradores que servirão para outros ciclos. A história é um suave sopro da vida para a gente se lembrar de que todos os dias estamos rodando os filmes de nossas vidas, então, que eles sejam cada dia mais plenos de afeto.





Ficha técnica do filme Imdb O filme da minha vida

Fotos : cortesia , Vitrine filmes / Assessoria.

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