Uma das virtudes mais refrescantes do Cinema Francês é usar o humor com inteligência. Quando o cômico se mistura ao contexto histórico, político e social da França em um roteiro que tem algo a mais a acrescentar à experiência cinematográfica, temos o casamento perfeito. Em Os Nomes do Amor, comédia de Michel Leclerc, a questão da identidade em uma França povoada por imigrantes estrangeiros e com tensões étnicas é o diferencial da narrativa, que também se desenvolve com romance e drama. O casal de protagonistas são filhos de imigrantes e são bem diferentes um do outro. Bahia Benmahmoud (Sara Forestier, excelente e vencedora do Cesar, O Oscar Francês) é uma expansiva jovem, filha de um argelino com uma hippie. Liberal, sexualmente ativa e partidária de esquerda que pratica o lema "Faça amor ao invés de guerra", Bahia tem um estilo de vida bem peculiar: para influenciar os homens de direita, que ela nomeia como Facistas, ela transa com eles na tentativa de convertê-los a uma diferente visão política. Por outro lado, Arthur Martin (Jacques Gamblin) é um homem mais maduro, solteirão na faixa dos 40 anos e convencional, além de ter pais metódicos e conservadores. A partir do encontro entre Bahia e Arthur e o despertar do romance, desdobramentos relacionados à questão da identidade começam a acontecer, harmonizando o cômico e o conflitivo na narrativa.
Para compreender Os Nomes do Amor e desfrutá-lo com prazer, ao longo do filme, fica bem perceptível que é preciso compreender um pouco da realidade sócio-política Francesa e as próprias cicatrizes de fatos da História como a intolerância racial e o genocídio contra judeus na Segunda Guerra Mundial, o preconceito étnico contra povos de origem árabe na França, o espírito xenófobo que se alastrou pela Europa, as sequelas do colonialismo e o problema da identidade em um país habitado por diferentes culturas. Tudo isso forma uma rica miscelânea de referências que são inseridas nos diálogos dos personagens, contribuem para suas opiniões, movimentam suas ações e afetam seus conflitos pessoais, além disso o roteiro se preocupa em marcar a diferença entre os protagonistas e desenvolver os personagens reforçando quem são, o que agrega valor ao roteiro. Bahia é um exemplo evidente de liberdade a qualquer custo. Desbocada, jovial, carismática e enérgica, ela traja roupas curtas, deixa seios e bunda à mostra, aborda outros homens na frente de Arthur para continuar a missão contra os "facistas". Já Arthur se vê mais solto ao se envolver com Bahia, mas ainda tendo que lidar (e fingir que concorda) com o conservadorismo dos pais e com o seu próprio jeito travado de ser.
A comédia é divertida e inteligente por excelência. Ainda que o roteiro mude o tom cômico em determinado ponto do roteiro e que as referências políticas sejam diversas e possam dificultar o entendimento das engraçadas tiradas, a atuação de Sara e Jacques é envolvente, bem humorada e cria uma empatia com o público. A direção insere algumas técnicas narrativas a la Woody Allen, na maioria esses recursos são usados com o personagem de Jacques Gamblin, como por exemplo: a narração em off, o diálogo direto com a platéia (quando o personagem fala com a câmera e começa uma interação com o expectador) e a inclusão de si mesmo em cena, ou seja, um alter ego ou uma terceira pessoa, no caso, Arthur aparece mais jovem contracenando com ele mesmo mais velho. Além disso, o longa é bem interessante sob o ponto de vista da relação de respeito familiar, o dos filhos para com os país. Bahia tem grande carinho pelo pai, um homem talentoso, pintor nato que vive fazendo favores para os outros e não prioriza a si mesmo, assim como Arthur é um homem que tem um cuidado com os pais, respeitando suas convencões e excentricidades. Em comum, o pai de Bahia tem seus silêncios com a filha assim como a mãe de Arthur tem os seus com o filho.
Há uma mudança comportamental em Bahia e Arthur que é acelerada pelo amor, respeito e carinho que passam a sentir um pelo outro, mas também pela aceitação de que têm diferentes personalidades e que podem se acertar, com um pouco de flexibilidade e mudança. Com isso, eles podem ajudar outras pessoas a aceitarem a diferença de outros em um país cheio de diversidade. O grande mérito de Os Nomes do Amor, que é melhor compreensível com sua tradução literal, Os Nomes das Pessoas, é que não importa tanto a origem do nome de alguém, seja ela um Argelino ou um Judeu na França, seja ela um Francês, mesmo que o sobrenome seja um legado e uma marca expositiva de onde viemos para a sociedade. O mais importante é a identidade que é construída e aceita pelo indivíduo, que o caracteriza em sua essência; uma identidade que cada um tem que assumir para promover a mudança pessoal e social.
Título original : Les Noms des Gens
Gênero: Comédia Dramática
Diretor : Michel Leclerc
Roteirista: Michel Leclerc, Baya Kasmi
Elenco: Sara Forestier, Jacques Gamblin, Zinedine Soualem
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