Desde os primórdios da visão psicanalítica Junguiana sobre os arquétipos humanos, a experiência primitiva é considerada uma dádiva libertadora para o homem. É o encontro consciente e inconsciente com ele mesmo e todos os desdobramentos psíquicos e vivenciais de suas escolhas, desejos, medos, etc. Encontrar a harmonia do eu em contato com todo o primitivo ecossistema é encontrar o próprio espelho da natureza humana e seus instintos, portanto, é encontrar o ponto de equilíbrio entre o ser humano e a sua natureza animal, assim como o convívio com outras especies. Partindo desse ponto de vista após a experiência cinematográfica com Lobo (Loup), realização do cineasta Nicolas Vanier, podemos dizer que o filme é muito mais do que uma produção visualmente contemplativa com sublimes e bem fotografados planos abertos das sazonais paisagens do Norte da Sibéria. Lobo é um longa para refletir sobre o início da convivência e o desenvolvimento da amizade do jovem nômade Sergei (Nicolas Brioudes) e um grupo de lobos, e o quanto nesse argumento há uma narrativa libertária que demonstra o rito de passagem de um jovem garoto, em linha com os ritos de amadurecimento pessoal. Sergei conhece os lobos, lida com um conflito pessoal, se torna um jovem mais adulto, se une à sua amada Nastasya (Pom Klementieff). Nesse aspecto, a escolha da figura do lobo é primordial, pois é um dos animais mais representativos do selvagem familiar na Psicanálise, aquele que ama e cuida da matilha, que tem virtudes comportamentais por trás do mortal predadorismo.
O início da narrativa contextualiza o público sobre aquele tradicional ambiente nômade e porquê lobos são considerados inimigos da família de Sergei. O jovem é filho de Nikolai (Min Man Ma), o patriarca que cria e cuida do rebanho de renas, atividade principal do clã dos Batagi. Como é próprio do instinto de sobrevivência animal, principalmente no inverno, os lobos têm que saciar sua fome e as renas são o alvo alimentar. Para proteger as renas, o pai de Sergei mata os lobos, se necessário for, e o filho deve fazer o mesmo. Após chegar a certa idade, Sergei é destinado a cuidar do rebanho de renas, fato que é considerado motivo de celebração familiar segundo as tradições. Ele se retira do acampanhamento e transita em paisagens longíquas, dentre as quais, encontra uma loba e seus recém nascidos. Ao invés de matá-los, ele se encanta com aquela família de lobos e começa a conviver com eles, conquistando sua confiança e afeto. Por outro lado, ele oculta tal acontecimento de seus pais, o que posteriormente gera conflitos, a necessidade de enfrentamento com as convenções do clã e o amadurecimento como homem.
Nicolas Vanier
Lobo é concebido como um mergulho ao convívio com Sergei e os lobos, com um verossímil trabalho de fotografia, direção de arte e figurino de uma região tão bela e inóspita. As imagens fílmicas de um ambiente frio e nômade é o grande diferencial do longa, muito mais do que a história e a direção de atores. A fotografia é de uma beleza ímpar. Em sua maioria, os planos médios e altos são realizados para levar o público àquela região, observar como os lobos interagem com sua matilha, como atacam suas presas, como deixam Sergei se aproximar e aprendem a conviver com ele, como são temidos e caçados. As sequências chegam a ser como um documentário da Natural Geographics com o híbrido ficcional dado o realismo da paisagem e do cotidiano, além do mais contam com o olhar experiente de Nicolas Vanier. O cineasta e roteirista é um confesso apaixonado por lobos, aventureiro que viaja para o Ártico e explora paisagens Siberianas e quem tem no background filmes como Au Nord de L'Hiver e Le Dernier Trappeur. Ao assistir a Loup, fica bem evidente que sua vivência em viagens exploratórias coopera muito para a bela fotografia do filme, assim como o realismo dramático de algumas cenas como quando o lobo cai em um buraco de gelo e uma matilha de lobos persegue um rebanho de renas. A trilha sonora composta por Krishna Levy, músico que já havia trabalhado com Vanier, é um espetáculo instrumental à parte e combina muito bem com o espírito primitivo do filme.
De maneira geral, o roteiro não tem sua força em uma dramática tensão, o que torna a experiência com o filme muito mais contemplativa mas de maneira alguma menos emotiva. É um filme visualmente bonito, para quem gosta de lobos, da convivência com a natureza e do valor da amizade e lealdade. Na maioria das vezes, somente a imagem afetiva entre o jovem e os lobos é suficiente para criar uma conexão do público com a escolha de Sergei. Ele é um jovem cobrado socialmente a ter uma determinada conduta: matar os lobos, afastá-los das renas. No entanto, Sergei desenvolve um espírito familiar com eles e é capaz de enxergá-los além dos estereotipos de bem e mal, de bondade e crueldade, aí está a riqueza do filme: descobrir a essência do lobo, amá-lo da forma que ele é, independente de convenções sociais. A beleza da amizade está em seu poder de transformação sem invadir a natureza do homem e do lobo. A harmonia e o respeito encontram o seu habitat natural.
Avaliação MaDame Lumière
Título Original: Loup Gênero: Drama Direção: Nicolas Vanier Roteiro: Nicolas Vanier , Ariane Fert Elenco: Nicolas Brioudes, Pom Klementieff, Min Man Ma
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Fica registrada, mais uma vez, a minha insatisfação com o fato de que não consegui assistir a NENHUM filme desse festival!
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