Jeanne Balibar interpreta Claudine e a complexidade feminina entre a responsabilidade familiar e a liberdade amorosa
#Dicadestreaming #Romance #Drama #Erotismo #Relacionamentos
#Família #CinemaSuiço
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
É reconfortante quando um cineasta opta por uma narrativa colocando a condição da mulher no mundo atual de uma forma sensível e humanista. Em um mundo que foi construído com bases patriarcais, essa sensibilidade é rara. Além do mais, para além das complexidades femininas que transitam entre as ambivalências e responsabilidades cotidianas, ser mulher é como ser um espírito de vida fluído e intenso, ora frágil, ora forte, mas acima de tudo, resiliente e autêntico.
Com formação pela Haute École d'Art e de Design (HEAD) em Genebra e nascido na Suiça, Maxime Rappaz surge como um orquestrador do belíssimo filme Deixe-me (Laissez-moi, 2023), no qual a protagonista é interpretada pela Francesa Jeanne Balibar, uma atriz madura, experiente e imersa em uma ampla e notória habilidade de se conectar intimamente com suas personagens femininas. Em uma combinação de drama, romance e erotismo, ela desempenha Claudine em um duplo papel: mãe de um deficiente, Baptiste (Pierre Antoine Dubey) e amante de Michäel (Thomas Sarbacher), um viajante Alemão recém chegado aos Alpes Suiços.
Claudine é uma personagem imensamente bonita e verdadeira em vários sentidos. Construída com um misto de delicadeza, discrição, sensualidade, mistério e responsabilidade, ela expressa tanto a força como a fragilidade de uma mulher que cria o filho sozinha em um lugar distante. Esse local bucólico é como um microcosmo reservado e esquecido pelo mundo, mas que significa um universo psíquico bem particular de muitas mulheres.
É lá que Claudine cuida e demonstra amor pelo seu filho Baptiste e realiza seu ofício como costureira, mas também é onde sente o desejo de transgredir e viver sua sexualidade. Todas as terças-feiras, ela deixa seu filho sob os cuidados de uma senhora e se desloca até um hotel no alto das montanhas onde encontra hóspedes para sexo casual. Na verdade, ela não é uma garota de programa, apenas uma mulher, dona de seus desejos e sedução, se libertando sexualmente e buscando afetos. Ela acredita no Amor, mas não se prende aos homens, provavelmente por ter consciência de que eles estão ali de passagem e que ela jamais abandonaria o seu filho.
Apenas essa inicial visão sobre a narrativa já aproxima a ideia do diferencial do longa. Diz respeito às complexidades que nem sempre são ditas mas vivenciadas intensamente ou suspensas por desejos não realizados. Com uma cuidadosa e brilhante atuação de Jeanne Balibar, Claudine representa muitas mulheres que têm responsabilidades familiares e se sentem sozinhas, e ainda personifica sua intensa libido e desejo de viver o amor de forma livre e descompromissada. O que Claudine não esperava acontece: o encontro com um homem charmoso e carinhoso que decide ficar um tempo a mais na região e lhe faz uma irresistível proposta.
Essa relação é realista e envolvente. Ambos são a pura expressão de um erotismo maduro e prazeroso filmado com a beleza aflorada das experiências. Aquela tensão sexual nos olhares, no toque, no cheiro, no silêncio, além de ambos muito elegantes na forma de agir, sem o caos que assola as paixões. Nesse aspecto, Maxime Rappaz, que também assina o roteiro com Florence Seyvos e Marion Vernoux, dirige as cenas com muito primor, estética e sensibilidade. Há uma harmonia na conexão entre o tempo de amar e gozar e o tempo de voltar ao cotidiano e lidar com a rotina familiar. Estão coesos com essa ambivalência de ser uma mulher que está conhecendo a si mesma e deseja sentir o prazer de amar fora do convencional cotidiano.
As cenas entre filho e mãe expressam o amor e o compromisso familiar, o respeito pelas diferenças e a singular capacidade de não deixar de sonhar. Tanto Pierre Antoine Dubey como Jeanne Balibar se conectam com uma sensibilidade acima da média, na qual fica nítida de que Claudine não vê seu filho como um doente, mas como um ser humano criativo e incrível que adora a saudosa Princesa Diana. Diante dessas expressivas atuações, como Claudine conseguiria conectar o amor por seu filho e o amor por um homem quase estranho?
Em determinado momento, o conflito existencial vem a tona como parte da jornada de uma mulher que é comprometida com sua família e é respeitada na comunidade, mas também gosta de sentir prazer com discrição e privacidade, distante dos olhos dos curiosos. Jeanne Balibar é tão atriz que consegue dar sutilezas à personagem, bastante misteriosa e intensa, mas também com uma postura equilibrada e discreta. Essa ambivalência traduz uma performance excepcional dessa diva do Cinema Francês.
Deixe-me é um filme para sonhar e sentir. Sentir esse prazer que leva almas e corpos a se encontrarem com entrega e intensidade. Na essência não é sobre sexo, mas sobre sentir que está respirando e vivendo, amando e sendo amada, sonhando e escolhendo caminhos. Sobre ouvir esse silêncio de querer ser e agir que, de fato existe, mas que por inúmeras razões, mulheres não dão vazão às fugas e encontros. É um filme para dizer a si mesma: Deixe-se viver enquanto o presente deixa possibilidades pelo caminho.
0 comments:
Caro (a) leitor(a)
Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.
Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.
No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.
Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.
Saudações cinéfilas,
Cristiane Costa, MaDame Lumière