Por Cristiane Costa
A Lição (UROK) é um dos filmes mais promissores para se estabelecer entre os melhores de 2015 e vem direto de uma coprodução Bulgária e Grécia. Apresenta um drama realista bem aderente à ruína social pós Comunismo no Leste Europeu e um conflito moral contundente que faz jus a uma dolorosa luta pela sobrevivência. Para protagonizar a heroína, de forma também acertada nesta fábula social, os roteiristas e cineastas Búlgaros Kristina Grozeva e Petar Valchanov criaram NADE, uma professora de escola primária interpretada pela excelente Margita Gosheva. De maneira crível, ela transita entre o problemático realismo de um endividamento financeiro e um caos econômico e uma concentrada atuação que a mantém na linha de frente do filme. O longa-metragem é dela, definitivamente, e cabe à Gosheva levar adiante a saga sufocante de sua personagem, colocada contra a parede em um país que não lhe oferece nada além de pobreza.
É um filme que mistura um drama de moralidade com uma atmosfera tensa. O que acontecerá a esta professora? O que será revelado mais adiante? A historia coloca o público perante dois mistérios: o que acontecerá com sua dívida? Quem é o menor infrator, um dos seus alunos, que está roubando dos colegas. Paralelamente ao seu problema pessoal, ela tem que lidar com a questão da disciplina na escola e com a frustração profissional. Para intensificar a espiral (quase) sem saída da personagem, NADE é casada com Mladen (Ivan Barnev), um homem alcoólatra, fracassado e passivo que mais lhe traz problemas do que soluções, ambos tem uma filha pequena com saúde sensível e ela tem problemas de relacionamento com o pai. Fora do contexto familiar, ela tem que lidar com todo o "sistema" decadente e corruptível da máquina burocrática e econômica: interesses egoicos de banco, agiota inescrupuloso, chefe - sócio e polícia corruptos. Com este cenário, a narrativa é construída para fechar o cerco e deixá-la absolutamente sozinha. Ela tem que encontrar uma saída.
Em determinado ponto, a força da personagem entra em conflito com o desespero que dá vê-la em uma situação difícil de sobrevivência. Imagine um filme que não oferece muita saída para a personagem em um crescente dramático que a levará a cometer uma potencial loucura. Neste aspecto, a narrativa é conduzida com uso de câmera na mão em boa parte do longa, uma paleta fria de cores, som do ambiente (sem trilha sonora), uma atmosfera totalmente fria, cinza, consequentemente, esta arquitetura audiovisual gera uma intranquilidade natural no qual o incômodo com a câmera é o incômodo com a situação. A sinergia entre o roteiro , que propõe uma luta contra o relógio na jornada da heroina e uma direção competente para delinear na construção narrativa os efeitos de tensão do drama são os maiores acertos, além da madura interpretação de Margita Gosheva e de um final "tapa na cara" e bastante irônico.
Porém, a melhor parte é o desfecho. É ele que engrandece o poder do Cinema para a reflexão de valores na sociedade contemporânea. É ele que faz o público levar a "lição" para casa e pensar a respeito. O que vem a acontecer no desfecho é de um grande diferencial para a história ao plantar na mente do público uma ideia aberta e reflexiva: quais os limites da Ética? Há fronteiras morais bem delimitadas em momentos de desespero? Determinadas situações limite justificam atitudes consideradas antiéticas? Se a sociedade apresenta uma decadência de valores morais, econômicos, políticos e sociais, indivíduos podem ser arrastados a agir contra valores morais que antes prezavam? Com tantos pontos de interrogação, a lição não acaba com o filme.
Distribuição no Brasil: Pandora Filmes
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