O filme participou da competição oficial do Festival de Berlim 2014
Por Cristiane Costa
Uma das formas clássicas de abordar a violência no Cinema sem colocar muito peso na experiência do público é o uso de humor negro. De Tarantino a Ethan e Joel Coen, o Cinema contemporâneo coleciona uma série de mortes bem orquestradas por diretores, que elaboram cenas violentas que transitam entre o requinte da crueldade e da frieza de personagens e o humor sarcástico de que a "vingança é realmente um prato que se come frio" e com muito sangue.
Na linha da narrativa de humor negro com um argumento de vingança está "O Cidadão do Ano" (Kraftidioten), filme do cineasta Norueguês Hans Petter Moland, em mais uma colaboração com o ator Stellan Skarsgård. Antes eles haviam trabalhado juntos em Zero Kelvin - Sem limites (1995), Aberdeen (2000) e A Somewhat Gentle Man (2010). Desta vez, Skarsgård é Nils, um limpador de neve nas montanhas da Noruega que foi premiado como "Cidadão do Ano". Seu inocente filho é assassinado e ele toma a decisão de se vingar. Acaba desencadeando uma série de mortes que envolvem dois lados inimigos da máfia local: o gângster vegano Greven (Pål Sverre Hagen) e "PAPA" (Bruno Ganz), o chefe da máfia Sérvia.
As ações de Nils enervam os mafiosos e acirram as disputas e as confusões entre ambas as partes, logo, a boa e bem humorada ironia do longa é ter um homem comum e reconhecido pela comunidade como um exemplar "Cidadão do Ano", vê-lo virar o herói de uma busca implacável por vingança, se transformar em um matador como se já tivesse sólida experiência como justiceiro. O mais engraçado é que os mafiosos fazem papel de idiotas, se enforcam na própria corda. Exemplo disto é o personagem de Pål Sverre Hagen, um homem cruel por esporte e um verdadeiro idiota sem diálogo e sem influência, que não sabe sequer reconhecer a nacionalidade dos inimigos (chama os sérvios de albaneses), que não consegue conversar com a ex-mulher por cinco minutos e não tem perfil paterno para cuidar do filho. Um idiota deste tipo pode ser levado à sério como gângster? Não. Ele se torna uma piada ridícula, portanto, como indica o título original do longa, a história evoca um contexto narrativo no qual o "poder é idiota". Os mafiosos são como figurantes a serem mortos. Não têm personalidade, não despertam interesse, não farão falta.
Neste cenário, quem impera com elegância, humildade e justiça? Nils. Ele é o arrimo do filme. Ele é o pai, o irmão, o marido, o trabalhador da comunidade, o funcionário do ano. Ele é o lobo solitário, que percorre as alvas e gélidas paisagens da Noruega com seu caminhão truculento. Ele é o justiceiro com desejo de matar mas também capaz de exercer sua humanidade em um confronto que pode colocar a vida de um inocente em risco. Espontaneamente, a história faz com que o público simpatize com sua jornada. Ele lida com a dor da perda de um filho, mas também, tem muita tranquilidade para investigar os inimigos e arquitetar as mortes com uma naturalidade que adiciona mais humor negro à comédia.
De uma
forma metafórica, os mafiosos são varridos como se fossem a neve, o
amontoado de sujeira e entulho que está na região, aquilo que incomoda e deve ser retirado para que a paisagem, o clima, a vida no local sejam mais agradáveis. Nils sabe
perfeitamente bem como fazê-lo, e com a experiência e talento de Stellan Skarsgård, a violência gráfica fica mais tragável, dirigida com mais elegância. Também, o humor é realçado nesta varredura mortal à medida de que, a
cada assassinato, o diretor cria uma sequência que ordena as "baixas" como
lápides. Por mais fúnebre que seja ver várias lápides repetidamente na narrativa, o riso nervoso integra a experiência cinematográfica das comédias de humor negro e faz bem.
Ficha técnica do ImDB O Cidadão do Ano
Distribuição Imovision




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Cristiane Costa, MaDame Lumière