Direito de Amar é o primeiro filme do bem sucedido fashion designer e empresário de moda e beleza, Tom Ford que marca sua estréia no Cinema com sua assinatura estilosa e uma sensível e perspicaz abordagem da sua identidade homossexual que permeia o roteiro sem o intuito de levantar bandeiras, o que confirma que Tom Ford é requintado em expôr suas idéias, um real gentleman em todos os seus estratégicos e ambiciosos empreendimentos. A Single Man é primorosamente estético, sofisticado. Da fotografia de Eduard Grau ao elenco formidável encabeçado por Colin Firth e Julianne Moore e o figurino de Arianne Phillips, o longa-metragem tem, em definitivo, o estilo TomFordiano e seu toque de Midas . Não ficaram de fora referências muito autorais do estilista como o luxo de figurinos que lembram seus ternos para a grife Ermenegildo Zegna, sua paixão por perfumes, sua opção sexual, sua afeição pelo Cinema Clássico, seu bom gosto fotográfico, sua fixação hedonista através de enfoques do corpo sensual como os olhos e o abdômen, sua crítica cortante e elegantemente bem colocada, seu conhecimento de moda revisitando detalhes vintage, entre outros. Para quem gosta e acompanha o trabalho de Tom Ford desde sua época de Gucci e Yves Saint Laurent, o longa respira a mente artística e a determinação pessoal do texano que tem comandado há anos o mercado de luxo e que não se cansa de inovar e se desafiar com seu multifacetado talento.
O enredo é sobre um professor universitário, George Falconer (Colin Firth, em estupenda performance) que passa por um processo de muito sofrimento após perder seu amante Jim (Matthew Goode) em um acidente de carro. Eles já tinham uma relação estável há 16 anos e George foi impedido de ir ao enterro, fato que sinaliza o preconceito da família de Jim. Em pleno ano de 1962 na Califórnia, o filme enfoca um dia da vida de George no qual ele está entregue a esta dor e tem planos de cometer suicídio, porém se esforça em manter as aparências perante todos, detalhe muito bem colocado inicialmente pelo roteiro para mostrar que a sociedade é hipócrita e o homem é movido a ser tão hipócrita quanto, escondendo até mesmo o quão dilacerante é a dor de uma perda. Para um homossexual acadêmico como George em plena década de 60, conviver com essa dor se torna mais dolorosa, embora o intuito do filme não seja explicitamente mostrar o preconceito, Tom Ford é sutilmente elegante até para expor dramas que são dramas de todos nós, independente de identidade sexual. Então, no transcorrer deste dia, George relembra momentos com Jim, e encontra algumas pessoas, conhecidos ou desconhecidos que o fazem pensar no passado, presente e futuro e, que aliviam seus momentos de tristeza e solidão perseguidos por esse desejo de tirar a própria vida. Entre elas, sua solitária amiga Charley (Julianne Moore, em concisa e deslumbrante atuação), com a qual ele teve um affair em londrinos tempos áureos, seu atrativo aluno Kenny (Nicholas Hoult) que apreende sua atenção com uma jovialidade cheia de dúvidas e reflexões e o belo espanhol Carlos (Jon Kortajarena), um estranho que George conhece ocasionalmente, que flerta com ele e que personifica um tipo de James Dean em um cenário que tem também o pôster de Psicose de Hitchcock que estabelece um tipo de "diálogo cinematográfico" com Pedro Almodóvar e uma cena de "Tudo sobre minha mãe" e o pôster de "Um bonde chamado desejo".
Direito de Amar é um filme belíssimo, cheio de contemplativas nuances na magnifica direção de arte, nas atuações, no figurino e na fotografia que chegam a ser poéticas. Tudo tem o bom gosto de Tom Ford e, também as entrelinhas de como ele pensa. Não à toa que ele é um dos estilistas mais polêmicos que existem, ele sabe provocar até por trás de uma bela estética, então tudo neste filme tem um propósito mesmo que seja o plástico para complementar o metafórico e demostrar o realismo dramático. Sob o ponto de vista estético, destaque especial para a direção de arte e a fenomenal fotografia que mesmo em seus enfoques de variante palheta de cores não deixa nenhum preciso detalhe passar desapercebido; os focos nos olhos dispensam palavras que seriam desnecessárias e Tom Ford dirige cada milímetro como se estivesse vestindo seus modelos, tão sublime como a celebração do belo; mas acima de tudo Direito de Amar é uma película melancólica, elegantemente melodramática por isso aceitá-la no início não é fácil porque é o tipo de filme que exige uma entrega sensível e lúcida por parte do expectador como contemplar uma obra de arte que requer uma momento de solidão, de introspectiva reflexão.
Muito da melancolia do filme está além da tragédia que impede a continuidade de uma relação amorosa, ela está em um drama universal , o da solidão, que é muito bem interpretado por Colin Firth em uma atuação crível, dilacerante, sofisticadíssima e muito bem combinada com o visual, e o melhor, em momento algum ele é melodramaticamente piegas. Colin é definitivamente "A single Man" em todas as caras e bocas, do óculos à residência. Este se torna um dos grandes diferenciais de ser "um homem só" na direção de Tom Ford e com o talento do ator britânico que se superou neste papel, deixando de ser o engomadinho inglês de comédias românticas e entregando um personagem que merecia ter ganhado a estatueta do Oscar assim como o Coração Louco Jeff Bridges a conquistou. Ser um homem só é o que interessa aqui, por isso a tradução do título do filme no Brasil foi muito mal feita e deixa de evocar que não está sendo reinvidicado nenhum direito de amar dos homossexuais porque este direito já existe, todos têm o direito de amar quem quiser; em resumo, o filme fala sobre solidão que é inerente a todos os indivíduos, esta é a triste beleza do filme e isso fica evidente através das outras personas : Charley vive sozinha, separada do marido, abandonada pelo filho, relembra os velhos momentos amorosos com George (que é gay confesso) e faz o tipo de mulher solitária e endinheirada que quase não saí da cama e para a qual uma bebida com cigarro e jantarzinho é uma grande celebração que a tira do tédio. Kenny é um jovem igualmente solitário que sugere a atração pelo professor além da admiração meramente intelectual, além disso nem sua beleza física o tira da solidão, por sinal, uma grande ironia que revela que pessoas bonitas são algumas das mais solitárias. Carlos é um belo modelo, imigrante e sozinho nos USA que deseja dar uma "esticadinha" com George sem ao menos conhecê-lo melhor, sugerindo a casualidade do sexo, da atração que pode sinalizar o desejo de fugir da solidão.
É sabido que a solidão é necessária e faz bem, mas também o mal para muitas pessoas reforçando atitudes autodestrutivas como o suicídio, a depressão, a loucura. Na verdade, George já deveria ser um homem só como a maioria dos indivíduos já o são e fingem não sê-lo porque fingir que não está mal não é fingir por mal, é fingir por uma necessidade social, logo atrás das camisas e ternos bem alinhados de George há muita dor, porque há uma aparência por trás da essência e este é uma das virtudes mais verdadeiras, memoráveis, atemporais e humanas do filme. A diferença é que quando se perde quem se ama, a solidão vem muito mais a tona e, a depender da força dilacerante da perda, respirar pode doer mais e mais, afinal superar a dor e seguir em frente com a mesma intensidade de sentimentos, com a mesma perspectiva de ser feliz é um ato de coragem. Sempre há um luto que tem a intenção de se perpetuar. A morte de Jim é uma analogia de outras perdas que não terminam em óbito mas que são tipos de mortes que trazem o sombrio sentimento da solidão. Quando um amigo é traído, quando um filho é abandonado, quando um casal é separado,etc, por isso, Direito de Amar é um filme de primorosa beleza além da lente e senso estético de Tom Ford, é um belo filme em abraçar a universalidade da solidão.
Título Original: Direito de Amar
Origem: Estados Unidos
Gênero(s): Drama
Duração: 101 min
Diretor(a): Tom Ford
Roteirista(s): Tom Ford e David Scearse, com base no livro de Christopher Isherwood
Elenco: Colin Firth, Julianne Moore, Nicholas Hoult, Matthew Goode, Jon Kortajarena, Paulette Lamori, Ryan Simpkins, Ginnifer Goodwin, Teddy Sears, Paul Butler, Aaron Sanders, Keri Lynn Pratt, Jenna Gavigan, Alicia Carr, Lee Pace
12 comentários:
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