Adaptado para as telas em 1939 (com Laurence Olivier e Merle Oberon) e em 1992( com Ralph Fiennes e Juliette Binoche), O Morro dos Ventos Uivantes (1847) é o clássico apaixonante e intenso romance escrito pela britânica Emily Brönte que relata a história de amor entre Heathcliff e Cathy e as emoções turbulentas que afloram em suas vidas a partir de sentimentos de obsessão, vingança, abandono e morte. Heathcliff é o irmão adotivo de Cathy Earnshaw e Hindley Earnshaw e foi criado desde criança pela família, no entanto ainda se manteve como um selvagem, um homem sem dinheiro e sem valor para a sociedade, um "cigano". A única pessoa que o trata com maior afeição é Cathy, que o ama e pela qual ele desenvolve um amor obsessivo. Após a morte do pai de Cathy, Hindley passa a tratar Heathcliff com muita crueldade e rejeição e Cathy se envolve com a família Linton, se aproximando do rico Edgar Linton, seu futuro marido. Sendo abandonado por Cathy, Heathcliff foge de Wuthering Heights para fazer fortuna e retorna dois anos depois, empenhado e comprometido a fazer vingança e ainda mais possesso pela obsessão de seu amor por Cathy(agora Cathy Linton). Neste seu retorno, a história é trágica entre os amantes e ninguém escapa à voraz, letal e insana vingança de Heathcliff, principalmente os filhos desta geração de Hindley, Edgar e Cathy e do próprio Heathcliff.
Embora considere que dificilmente um filme consiga conceber a obra literária original em seu rico e integral caráter ficcional, principalmente em aspectos de ordem psicólogica e de estilística, muito minuciosos e intimistas com a própria consciência e profundidade de cada personagem, seus diálogos e turbulentas emoções, a adaptação de 1992 estrelada por Ralph Fiennes (HeathCliff), Juliette Binoche (Catherine/Cathy), Jeremy Northam (Hindley) e Simon Sheperd (Edgar) é um ótimo filme por diversas razões : na atuação de Fiennes e Binoche, na atmosfera fria e sombria do cenário, na trilha sonora composta por Ryuichi Sakamoto e na própria caracterização da tragédia familiar com negros e amargos sentimentos destrutivos de maldade, vingança e obsessão que se misturam a uma grandiosa história de amor que fataliza o próprio destino dos personagens.
Em O Morro dos Ventos Uivantes, o leitor (e espectador) se identifica com a história de amor que o divide entre vários sentimentos, da amargura à esperança, da compaixão à ira, entre outros. De um lado, a intensidade de um amor que na obra escrita é grandiosa por conta dos próprios recursos literários que expressam este amor além da vida, além da morte expressos em magnífica escrita descritiva e romântica e mergulhados em uma aura fantasmagórica bem particular da literatura inglesa de Emily. No filme, Heathcliff é, ao mesmo tempo, o pobre cigano que foi humilhado em sua condição social e de homem apaixonado e também o homem perverso sem limites para levar seu plano vingativo à frente. Ninguém foge à sua obsessão por vingança, nem mesmo Cathy.
O que faz deste filme uma obra belamente contemplativa é o próprio conflito da história de amor e o espírito de sofrimento que ele imprime às personagens, principalmente em Cathy e Heathcliff. Entendo que o amor não deveria ser algo tão doloroso e, nesta obra, ele é levado ao seu extremo negativo, à sua pulsão trágica e inevitável insanidade ultrapassando até mesmo a realidade com um plano espiritual de fantasmas atormentados. Ironicamente, é sublime porque grandes histórias de amor são baseadas na impossibilidade de concretização das mesmas, mergulhadas por sentimentos instáveis e dúbios que, no final, determinam que o amor eleva mas também destrói quando levado ao máximo da loucura de um amante.
A dor mal resolvida também é um elemento chave em O Morro dos Ventos Uivantes porque ela dá ação e alimenta o próprio desejo de vingança, uma dor que Heathcliff leva até à morte mesmo após a própria morte de Cathy, o qual ele convida a assombrá-lo. A dor é necessária, mas ampliada na insanidade de um amor frustrado que escraviza o indivíduo. Quem nunca foi abandonado, trocado e/ou ignorado pela pessoa amada?Quem nunca, nem que seja por cinco minutos, foi tomado por um desejo sedento de ira e vingança após ser magoado, tratado como se fosse um qualquer, um lixo humano? Quando somos magoados em nossa identidade e, principalmente, no nosso coração como foi o caso de Heathcliff temos que ter uma maturidade muito bem desenvolvida para que isso não destrua nós mesmos e outros.
No filme, Cathy não era somente o amor dele, ela era a irmã e a amiga de um homem rústico e solitário mas que ainda tinha um coração de carne como qualquer um de nós. Ela era a mulher que despertou o primeiro e eterno amor, era a mulher que o tinha valorizado como ser humano que é capaz de amar e ser fiel à um amor. O fato dela tê-lo trocado por um homem de posses como Edgar Linton fez com que Heathcliff fosse ferido no que lhe dava alegria e (in)diretamente o atingiu naquilo que mais o poderia denegrir como homem, ele não era um provedor à altura da riqueza de um Linton. Ele era um pobretão e um selvagem ainda que ela o amasse. Por conta deste background na história de ambos, Heathcliff ouviu Cathy falar mal dele pelas costas, entristeceu-se, fugiu e fez riqueza e, a vingança dele está muito baseada em uma vingança não somente sentimental , mas financeira. Ele dominou Wuthering Heights, pagou as dívidas de Hindley com o intuito de humilhá-lo e possuir o que era dele, seduziu e casou-se com a irmã de Edgar Linton com o propósito de se aproximar da herança dos Lintons e de gerar um filho herdeiro para tal que, posteriormente, seria usado para casar-se com a filha de Cathy e Edgar, destruindo até mesmo o próprio Edgar e se apossando de seu patrimônio. Logo, há um desdobramento de fatalidades que nasceram a partir deste amor obsessivo e vingativo.
Particulamente penso que Cathy, em sua ingenuidade, não levou Heathcliff à sério e o ignorou muito facilmente sem se dar conta de que ele era um homem extremamente passional e potencialmente perigoso. Ela também foi imatura como lidou com o desaparecimento e o retorno dele após longa data, o que me dá a ligeira impressão de que seria mais positivo, cômodo e idealista para ela lidar com Edgar e HeathCliff ao mesmo tempo como se essa harmonia fosse possível. Neste ponto, Binoche a interpretou muito bem porque há uma delicada ingenuidade em Cathy que também fica perfeita com a delicada beleza e interpretação de Binoche. Além disso, Cathy parece tola e frágil demais mediante a força da personalidade de Heathcliff que, enfim, desperta muito mais a platéia a amá-lo ou odiá-lo.
O que mais me fascina em HeathCliff e considero o ponto alto do filme é esta capacidade dele despertar a ambiguidade dos sentimentos, o mesmo sentimento que tenho por Medéia de Eurípedes. Ele tem um impacto forte e ambíguo no espectador sensível que se dividirá entre a indignação de como ele é perverso e como deveria odiá-lo, mas por outro lado, como ele provoca um sentimento de piedade, de triste pena por ele ser vítima e senhor das próprias emoções destrutivas de sua tragédia amorosa e que dramaticamente culminam no seu triste fim e de sua amada.
Por Madame Lumière
"Catherine Earnshaw, enquanto eu viver não descansarás em paz! Disseste que te matei. Pois então assombra-me a existência! Os assassinados costumam assombrar a vida dos seus assassinos, e eu tenho a certeza de que os espíritos andam pela terra. Toma a forma que quiseres, mas vem para junto de mim e enlouquece-me! Não me deixes só, neste abismo onde não te encontro!
Oh! Meu Deus! É indescritível a dor que sinto!
Como posso eu viver sem a minha vida?!
Como posso eu viver sem a minha alma?!"
(HeathCliff)
Heathcliff, its me, Cathy come home
I'm so cold, let me in-a-your window
(Kate Bush, perfeita ao cantar Wuthering Heights)
Título Original: Wuthering Heights
Origem: EUA
Gênero(s): Drama
Duração: 102 min
Diretor(a): Peter Kosminsky
Roteirista(s): Anne Devlin. Baseado na obra Wuthering Heights de Emily Brontë
Elenco: Ralph Fiennes, Juliette Binoche, Janet Mc Teer, Sophie Ward, Simon Sheperd, Jeremy Northam
Photos credits: O morro dos ventos uivantes/Wuthering Heights
Text by copyright Madame Lumière
Oi Madame, tudo bem?
ResponderExcluirHonestamente não me lembro de ter visto essa versão estrelada por Ralph Fiennes. Se vi, não me marcou tanto. Lembro da versão estrelada por Laurence Olivier, ator de quem gosto muito. De fato esses romances perenes são uma receita certeira. Tanto em livros quanto em filmes. Ralph Fiennes por sinal é contumaz no gênero. Lembremos de O paciente inglês, Sunshine, O jardineiro fiel (para citar alguns) histórias profundamente romanticas extraídas da literatura inglesa.
Gostei particularmente de sua percepção sobre o estado de espirito dos personagens.
Bjs madame!
Tudo bem! E você?Espero que também.
ResponderExcluirEu também não me lembrava deste filme, embora conheça a obra literária e ache a interpretação de Laurence Olivier incrível (sou suspeita para falar do cine anos 30/40). Acabei o assistindo em virtude da trilha sonora e da empatia que tenho por Binoche e Fiennes.
Não acho que o filme é uma obra prima, embora compreenda que a magnitude do drama foi bem focado nesta atmosfera "weird" e doentia; o que mais me interessa no filme é como HeathCliff me faz sentir: gosto e não gosto dele, compartilho e não compartilho de sua vingança, entendo sua dor.
Beijos Monsieur Claquete!
Madame, eu assisti a este filme muito porque adoro adaptações literárias, especialmente de romances ingleses como "O Morro dos Ventos Uivantes". O que mais me marcou nesse longa foi a performance do Ralph Fiennes e a maneira como a história foi transposta para a grande tela.
ResponderExcluirOlá, que prazer tê-la aqui. Gosto também da interpretação de Ralph Fiennes. De maneira geral, o olhar marcante de Fiennes me transmite uma certa insana loucura. Ele sempre me parece um cara quieto que pode guardar um desvio de sanidade(engraçado eu pensar assim, mas ele é atraente com este olhar - rsrs). Obrigada pela visita!
ResponderExcluirAhh eu sou mto suspeita em gostar de filmes adaptados de livros, mas sua resneha eh mto bem escrita! Parabens!! E so um ps: alguem mto especial me mostrou essa música, q eu nao conhecia... linda linda, ne? rs! bjs
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