Adaptado do romance de Bryan Burrough, o filme é sobre a história dos inimigos públicos - criminosos gângsters durante o período da Depressão que são perseguidos pelo Bureau de Investigação do Governo Americano, a gênese do FBI. Entre os bandidos estão John Dillinger, Baby Face Nelson, Pretty Boy Floyd, etc. O foco do filme é John Dillinger e sua equipe, assaltantes de bancos profissionais que os roubam em menos de 2 minutos com disciplina, perspicácia, intensidade e charme e são perseguidos por Melvin Purvis (Christian Bale), incumbido de tal ação e apoiado pela emergente tecnologia do FBI. O papel de John Dillinger é realizado brilhantemente por Johnny Depp que concilia muito bem o seu carisma, talento e versatilidade de atuação com a personagem de John Dillinger, uma espécie de bandido carismático admirado pelo público, leal a seus amigos, apaixonado por Billie Frechette (Marion Cottilard, a perfeita Edith Piaf no perfeito Piaf - Um hino de amor) e que, até mesmo, ama cinema e diz palavras gentis e românticas.
O filme é de uma competência exemplar de Michael Manm, considerando este gênero de filme, porque o roteiro molda um John Dillinger humanista, ainda que invandindo e metralhando bancos, usando inocentes civis como escudos humanos, fugindo da polícia e morrendo tragicamente, somado a isso a construção dos personagens, delimitando bem que estes homens fora da lei e até mesmo Bale como "mocinho" tem um senso de ofício extraordinário, de alta perspicácia e qualidade que beiram também valores como justiça, comprometimento, lealdade, paixão, amor, poder, etc. a depender de cada personagem. A vibrante fotografia assinada por Dante Spinotti (de X-Men O confronto Final), os recursos gráficos de alta definição justapondo planos de luz e sombras, uma proximidade temporal e local intensa dos personagens com o espectador e o figurino sofisticadíssimo e de época fazem de Inimigos Públicos um filme especial, louvável de assistir.
Mas, como sempre, a Madame gosta de falar das facetas do filme que tocam em sua dual emoção-razão e que permitem uma reflexão sobre o filme. Serei breve para falar-lhes, porque este filme é um filme para assistir e assistir e desfrutar a atuação de Johnny Depp que é o principal destaque do filme. Eis o que penso:
Esta produção é competente já no próprio poder de inclinar-nos a gostar de John Dillinger, a estar do lado dos bandidos ao invés do lado dos mocinhos. Para mim, a maior representação de Inimigos Públicos é que estes inimigos são os inimigos do governo e não do povo, pelo menos, não os inimigos da audiência. Eles são os inimigos de um sistema que foi assolado por uma grande Depressão Americana que gerou uma decadência social e econômica nos EUA, uma depressão pela qual os bancos são culpados pelo povo. São inimigos de um sistema que é mostrado mais voltado a atender as burocráticas e interesseiras demandas do Bureau de Investigação (aqui na figura do mascarado e antipático Edgar Hoover, interpretado por Billy Cudrup, chefe de Melvin Purvis) do que um leal interesse em proteger o próprio povo contra a criminalidade. São inimigos que conseguem ter a mídia ao seu lado. São inimigos que só querem viver o presente intensamente. Parece louco pensar assim e não estou fazendo apologia ao crime ou levantando bandeiras de violência, mas há ficções nos quais o bandido tem mais humanidade que a própria lei racional e hipócrita que acaba por não ser a lei coletiva mas a lei dirigida por individualistas como Hoover.
John Dillinger tem uma conexão diferente com o público, retroalimentada pelo excepcional talento de Depp em criar esta proximidade mais intimamente emocional. A capacidade de Inimigos Públicos em expor um John Dillinger durão, mas ainda acessível e sensível é o grande diferencial do filme que o transforma em um deleite cinematográfico. Ainda que Christian Bale demonstre um comportamento centrado, compromissado e expert em levar esta caça até o fim, há também um senso de humanidade e de ser mortal neste personagem que se encaixa perfeitamente nesta relação inimiga entre eles os aproximando em um mesmo nível , que ora faz com que eles se rechacem ora se aproximem, afinal ambos são experts e intensos em suas ações, gostam de suas equipes, se sensibilizam com as perdas.
Ainda que isso não justifique o público adorá-lo e compartilhar de suas ações criminosas, John Dillinger tem um histórico de vida que sensibiliza a audiência e/ou, ao menos, possibilita que ela não seja tão dura em rejeitar o bandido, sua triste história é um elemento impulsionador para uma vida mais intensa e glamourosa na qual ele passa a ser admirado ainda que caçado como inimigo nº 1, indo totalmente na contra-mão da difícil vida que teve. Ele ficou orfão de mãe aos 3 anos, apanhou muito do pai, cresceu na marginalidade até que, ao ser preso por um crime tolo que lhe rendeu somente USD 50,00, conhece na cadeia homens que o ensinam a grande arte de roubar bancos, uma arte que o torna um líder e uma lenda na bandidagem dos anos 30.
Por ter sido desprovido de uma vida abastada, de família e amor, ele encontra em seu grupo seleto de bandidos sua grande família e se apaixona por Billie Frechette que, coincidentemente, forma um casal perfeito com ele já que ela também sofre preconceito de uma sociedade, sendo uma simplória e bela mestiça de origem índia-francesa, trabalhando em chapelaria, fazendo bicos e vestindo vestidos baratos. Dillinger promete a Billie amá-la e cuidar dela para sempre, o que demonstra que ele é capaz de amar, de ser um real gentleman quebrando a figura do gângster que só frequenta prostíbulos. Esta relação amorosa cria uma empatia cada vez maior com Dillinger, recurso que move a platéia nesta dualidade - ele é um bandido, mas quero que ele se dê bem, seja feliz, fuja e fique com a garota!
John Dillinger e Billie Frechette fazem parte do grupo dos ignorados dentro de uma tradição socialmente "correta" e elitizada que não vale nada. Solitários em seus corações que vêem a possibilidade do amor, eles se permitem amar e Dillinger, após estar na cadeia por tantos anos e fugir, vê a possibilidade de se aproximar das mulheres até encontrar sua "Graúna" Frechette, morena e bonita, como ele cita no filme. Este amor dura pouco, mas é intenso porque, pela primeira vez, Dillinger pensa no futuro, algo que não era tão comum no "viva o aqui e o agora" dos Inimigos Públicos. Ambos vivem este amor vendo no outro a possibilidade de uma felicidade maior, mesmo quando Dillinger perde seus amigos, todos mortos e se vê um solitário fugitivo, distante de Billie que se encontra sob custódia.
Em uma das cenas finais mais magníficas, Dillinger está no cinema, assistindo o também fora da lei Clark Gable em uma interpretação de gângster em Vencido pela Lei, como se fosse o espelho de Dillinger. É encantador ver Johnny Depp em frente de Clark Gable, ambos charmosos e adoráveis bandidões. A personagem de Gable evidencia aquela fala mágica do tipo "viva intensamente e não pela metade", palavras tão John Dillinger, tão Inimigos Públicos e, por que não, tão nós, presos em nossas próprias prisões, cárceres do cotidiano.
Por Madame Lumière
Título Original: Public Enemies
Origem: EUA
Gênero(s): Drama, Crime, Ação
Duração: 143 min
Diretor(a): Michael Mann
Roteirista(s): Ronan Bennett, Michael Mann, Ann Biderman, Bryan Burrough
Elenco: Johnny Deep, Christian Bale, Marion Cotillard, Channing Tatum, Emilie de Ravin, Leelee Sobieski, Billy Crudup, Giovanni Ribisi, David Wenham, Stephen Dorff, Rory Cochrane, Lili Taylor, Stepehn Lang, Shawn Hatosy, Stephen Graham.
Créditos de fotos: Public Enemies Film
Adorei a resenha. "o filme exato para quem não é fora da lei, mas desejará intensamente sê-lo, pelo menos pelas mais de duas horas de exibição", um insight quase tão brilhante quanto o paragráfo que fecha a resenha. Aliás, para mim, é no final de Inimigos públicos que reside sua maior força, que me desculpe Johnny Depp, que de fato está muito bem como Dillinger.
ResponderExcluirBjs madame!
Obrigada, Monsieur Glioche. Brilhante é receber sua visita aqui e contar com sua leal leitura e incentivo no começo do meu blog; muito bom receber seu feedback. Digo o que sinto e filmes me fazem sentir...(até mesmo fora da lei natural das coisas). Beijos e bom final de semana!
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