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Por Cristiane Costa O documentário é um amplo campo da memória. Muito mais do que um gênero cinematográfico,  uma das suas principai...

Os últimos cangaceiros (2011)



Por Cristiane Costa


O documentário é um amplo campo da memória. Muito mais do que um gênero cinematográfico,  uma das suas principais forças está no autêntico registro da história. Quando tomamos contato com o filme, esta memória é herdada por nós, como um legado conhecido (ou desconhecido) com o qual podemos nos identificar ou não. Ao revelar tantas histórias reais, o documentário ajuda a resgatar parte de nossa história e nos familiariza com pessoas, fatos e dados. Esta é a melhor experiência com ele: Poder visualizar o que temos a ver com estas histórias.   É o que acontece em "Os últimos cangaceiros", elogiado longa-metragem de Wolney Oliveira, premiado em festivais no Brasil, México, Bolívia e Cuba e com distribuição da Imovision. Ele nos apresenta uma bela história de sobreviventes do Cangaço Brasileiro do início do século XX: o casal Durvinha e Moreno, que fizeram parte do grupo de Lampião e Maria Bonita e viveram por anos com este segredo. Mesmo com um passado com aura legendária,  Durvinha e Moreno são gente comum, integrantes da nossa memória como Brasileiros e é inevitável não se sentir próximos a eles ou, pelo menos, desenvolver empatia pelo que eles têm a nos contar.


 

 

Conhecidos como Durvalina Gomes de Sá e Antonio Ignácio da Silva,  Durvinha e Moreno relatam como conheceram  Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e demais cangaceiros, como era a convivência com este estilo de vida "fora da lei" de aventuras e riscos, como era o peso de ter uma vida engajada com o Cangaço e a necessidade de isolamento e segredos para preservarem suas vidas.  Com personagens carismáticos, uma história controversa entre a bravura e o banditismo, uma série de encontros e relatos familiares comoventes e um sólido e rico material investigativo, Wolney Oliveira orquestra um documentário atraente que valoriza a memória do Cangaço e do Nordeste Brasileiro. 


Abordar o Cangaço no Cinema é um tema atrativo e exaustivo por toda a mítica criada em torno do líder Lampião na Cultura Brasileira.  A combinação de western Nordestino, engajamento político e religioso e sua personalidade enigmática, libertária e valente sempre foi um maná para produções audiovisuais no país, porém "Os últimos cangaceiros" tem um diferencial que o fortalece como registro documental. Ele retira  consideravalmente Lampião do foco e coloca um casal de idosos que, ao escolher uma vida como cangaceiros, abriu mão de ter uma vida normal e ainda sobreviveu para contar a historia. Já bem idosos, Durvinha e Moreno contam parcialmente alguns casos. Ele, mais bem humorado e saudosista. Ela, mais introspectiva e melancólica. Ainda assim, ambos carismáticos com aquele jeitinho especial de avós.



A habilidade do documentarista foi saber lidar bem com essa simplicidade das conversas e a montagem final, preenchendo as lacunas  que não eram complementadas com muita lógica e precisão pelas vozes dos protagonistas com um leve, porém, consistente material de arquivo. O diretor usa de outras estratégias como acervo fílmico de Benjamin Abrahão, cenas de filmes como O Cangaceiro (1951), de Lima Barreto, Memória do Cangaço (1964), de Paulo Gil Soares , entre outros longa-metragens, depoimentos de historiador João de Souza Lima e da filha do casal, Nely Maria da Conceição, além de ter viajado por estados do Nordeste ao Sudeste, abrangendo a jornada territorial deste casal.





A beleza de "Os  últimos cangaceiros" é unir  a espontânea contação de pequenos casos com uma bem elaborada pesquisa que fundamenta a autenticidade histórica do Cangaço, resultando em um documentário que convence pela honestidade com o público. O filme é como puxar um dedo de prosa com Seu Moreno e Dona Durvinha e se deliciar com sua graciosidade e humildade. O mais interessante de vê-los e ouvi-los  é observar que eram bem jovens quando tomaram uma decisão que impactou suas próprias liberdades de contar quem são aos filhos, familiares, amigos e conhecidos. Poderiam ter vivido com menos medo e mais tranquilidade.  De certa forma, unir-se ao Cangaço não lhes trouxe integralmente a liberdade que tanto a figura de Lampião e seu grupo demonstravam. As escolhas têm um preço, a deles foi esconder sua verdadeira identidade; para muitos, uma escolha pior do que a morte. Será que valeu a pena ser cangaceiro? Fica a reflexão.






Ficha técnica no ImDB Os últimos cangaceiros 

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