Novo filme de André Téchiné: drama de disputa de poder na Riviera Francesa
Por Cristiane Costa
A guerra por poder é motivada por vários propósitos, sejam eles econômicos, políticos, afetivos, de autorrealização, segurança e independência, entre outros. Independente da natureza extrema e complexa da disputa por poder, a de levar uns à ascensão e outros à queda, no contexto de um filme que retrata as manobras predatórias da máfia, ele assume vida como a de um personagem dentro de um personagem e se torna um elemento fundamental para dinamizar o conflito dos dramas humanos. Em "O homem que elas amavam demais", inspirado em fatos reais do livro "Une Femme Face À La Mafia", de Renée Le Roux e Jean-Charles Le Roux, a sede de poder se manifesta de diferentes formas em um trio de personagens centrais em conflito durante a guerra de cassinos na Riviera Francesa entre 1970 a 1980.
Catherine Deneuve em seu 7º trabalho com André Téchiné
"Ela é forte como um touro", diz o diretor
O diretor André Téchiné realiza mais uma parceria com Catherine Deneuve e escala jovens e promissores atores como Adèle Haenel e Guillaume Canet. Eles formam a base do drama, com destaque para Canet que personifica um homem sedutor, articulador, frio e calculista, que não mede esforços para ser reconhecido pela sociedade, capaz de conquistar confiança e cometer facilmente uma traição, ganhar dinheiro sem escrupúlos e ampliar o seu escopo de influência na máfia Francesa. Ele é Maurice Agnelet, advogado de confiança de Renée Le Roux (Deneuve), dona do cassino Palais de La Mediterannée. Agnés (Haenel), a filha de Renée e uma das acionistas do cassino retorna da África após um divórcio e tem o objetivo de conquistar sua independência. Tem discordâncias com a mãe autoritária e rígida. Agnés e Maurice se envolvem em uma relação intensa, porém o interesse dele é apenas entrar na guerra de poder para benefício próprio e se aliar ao inimigo de Renée, o mafioso Fratoni.
Guillaume Canet em ótima atuação: as mulheres o amam, ele não
Este filme é uma tragédia à la Francesa, com sofisticação, o requinte da crueldade psicológica e os dramas mal resolvidos. Em outras palavras, não veremos sangue, tiroteios, agressões físicas ou clímax de tribunal. As cenas que envolvem julgamentos são escassas, pouco atrativas e este não era o foco de Téchiné. É um filme mais solar no qual o diretor trabalha com 3 focos na cenografia e fotografia, em distintas proporções: o discreto glamour europeu dos cassinos Franceses, as bucólicas paisagens da Riviera, enfatizados por planos abertos ou médios da natureza e do mar e as tomadas internas e cotidianas do relacionamento de Agnes e Maurice com maior movimentação de câmera. Escolhas que foram muito coerentes com a dinâmica do roteiro já que as influências da máfia são sutis e bem maquiadas, portanto, dissimuladas. Grande parte do desenvolvimento opta por um enfoque no romance entre Maurice e Agnes, como ele articula seus interesses para influenciar a herdeira do cassino e como ela passa do paraíso ao abismo pessoal. Como de costume, Catherine Deneuve tem um maduro desempenho, embora teve um papel difícil que exigiu muito mais uma atuação isolada e de poucas palavras.
Adèle Haenel: uma filha em conflito com a mãe
A força do filme é o trio personagens. Cada um à sua maneira quer um tipo de poder: Renée adora o cassino e quer manter o seu legado intacto, Agnes quer reconstruir a sua vida e viver independente, Maurice quer atingir os resultados de sua ambição financeira e política na sociedade. Ao realizar este triângulo com o poder em diferentes dimensões motivacionais, Téchiné ampliou a visão dos males de um império comercial que chega à queda. Com ele, as pessoas também caem, física ou moralmente. A derrocada pode vir com morte, vergonha, culpa, justiça, sofrimento, inércia, frieza etc. Vários destes dramas humanos podem ser observados em cena, em menor ou maior grau.
Téchiné não segue o lugar comum dos filmes de máfia, normalmente realizados com uma obscuridade mais visível e com estratégias mais metalinguísticas que bebem da fonte de outros clássicos. Aqui, o drama é visualmente mais iluminado, solar, diurno. Também é interessante à medida que oferece uma proposta camuflada da máfia, ainda assim pouco explorada pelo roteiro. O lado obscuro está mais nas características dramatúrgicas dos personagens: Renée é uma mãe sofisticada, fria e dissimulada; Agnes é vigorosa mas instável e com momentos depressivos e loucos; Maurice é sedutor, ambicioso e sádico. São esses atores que sustentam "O Homem que elas amavam demais", principalmente Guillaume Canet e seu multifacetado Maurice, do contrário, o filme seria um fracasso.
"é direta, sem firulas, um redemoinho de energia jovial"
André Téchiné sobre Adèle Haenel
A ideia da adaptação é positiva sob as perspectivas do drama humano e de uma história verídica com controvérsias que envolvem desaparecimento, uma suposta morte e um senso de justiça, porém o filme tem um ritmo lento e não articula bem os acontecimentos da "disputa por poder" no meio do desenvolvimento, optando por focar parte significativa nas cenas dos amantes. Em algumas delas ele se arrasta sem necessidade, como por exemplo, mostrar Agnes chorando e nadando em mais de uma cena e isolar o personagem de Catherine Deneuve, que poderia ser promissor para embates dramáticos com a filha. Fica bem claro que ocorre exatamente o que o diretor queria: o roteiro se manteve muito fiel ao livro e a flertar a câmera com Adèle Haenel, atriz que ainda não tem muita amplitude e profundidade entre papéis, tudo isso impacta a experiência do público com o filme e divide opiniões.
Um pouco de objetividade no roteiro e direção para tratar o drama, uma atmosfera mais misteriosa, alguns cortes cênicos na relação de Agnes e Maurice teriam sido positivas, além de maior enfoque exatamente nas manobras políticas de derrubada de um cassino, melhor articuladas com os dramas do triângulo. Como disse o diretor: "Este é um filme de guerra. Mas num nível humano. Eu estava determinado a não tirar os eventos que movem o enredo.(*)" Esta fidelidade do diretor ao livro, que escreveu o roteiro com o filho de Renée, Jean-Charles Le Roux, surtiu um efeito arriscado na narrativa. A história seria mais interessante se a máfia e seus impactos fossem melhor explorados, ainda que de forma mais solar.
Ficha técnica no ImDB O homem que elas amavam demais
Citações entrevista André Téchiné . Fonte e créditos Mares Filmes
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