Por Cristiane Costa
O Cinema Dinamarquês é uma das principais searas de dramas envolventes no cenário atual das turbulentas interações humanas e continua se destacando com experientes diretores como Susanne Bier (Em um mundo melhor, 2010), Thomas Vinterberg (A Caça, 2012), Lars von Trier (Ninfomaníaca I e II, 2013), Nil Malmros (Tristeza e Alegria, 2013), só para citar alguns longas-metragens recomendados. Com marcantes histórias que colocam seus personagens em situações dramáticas que os jogam em espirais com fortes conflitos morais, o Cinema Dinamarquês é um primor para tratar as complexidades da condição humana de uma forma não maniqueísta. É obrigatório para qualquer pessoa que deseja vivenciar essas nevrálgicas interrelaçoes pessoais no Cinema, nas quais personagens realistas questionam sua própria humanidade e mostram o melhor e o pior do ser humano.
Para se unir à galeria de filmes dinamarqueses de primeira classe, a premiada diretora Susanne Bier traz Segunda Chance (En Chance Til/ Second Chance, 2014), um excepcional drama que aborda os limites da justiça, entre o certo e o errado, entre voltar atrás em uma ação impulsiva ou não, entre ser testado em situações caóticas provocadas por desespero e falta de controle ao lidar com tragédias muito pessoais . Sua principal força dramática é fazer o público encarar uma situação impensável após a decisão de um pai de família. Andreas (Nikolaj Coster-Waldau, de Game of Thrones) é casado com Anna (Maria Bonnevie) e pai de um bebê. Entre a rotina familiar e o trabalho com seu amigo e detetive Simon (Ulrich Thomsen), Andreas tem uma aparente vida tranquila, ainda em adaptação com o nascimento do filho. Quando ele e Simon são chamados para lidar com um casal de viciados, Tristan e Sanne (Nikolaj Lie Kaas e Lykke May Andersen), Andreas é abalado por uma cena deplorável na casa deles. Logo mais, ocorre uma tragédia em sua família, os caminhos dele, de Tristan e Sanne se entrecruzam e ele é lançado em um caos pessoal que o faz perder o senso de justiça. Além do privilégio de trabalhar pela primeira vez com Susanne Bier, o incrível roteiro fez Coster-Waldau ceder ao projeto. Andreas é um personagem sombrio que o levou a questionar o quão firmes são seus próprios valores.
Segunda Chance é realizado com um primoroso trabalho de direção, roteiro, fotografia e direção de atores que, de forma sinérgica, desenvolvem uma tensa atmosfera de drama, suspense e mistério em uma história climática que não oferece muita saída ao público: colocar-se no lugar de Andreas . O que eu faria no lugar dele? Qual é a minha moral quando estou vulnerável e ajo impulsivamente? Devo pensar em mim ou nos outros quando estou em desespero? Eu também mereço uma segunda chance mesmo que eu tenha que prejudicar outras vidas e ir contra os meus valores? O que é justiça? Perguntas como estas são comuns durante a projeção deste contundente drama e enriquecem a experiência com um "tipo de lição de casa", em outras palavras, ao terminar o filme, podemos ficar pensando no que Andreas fez por dias e dias como um exercício de reflexão e questionamento de nossos valores e ações. Susanne Bier entrega mais um longa-metragem capaz de promover esta reflexão crítica sobre nossas atitudes mundanas.
Na história, são situações incontroláveis que envolvem as pessoas em um provável caminho sem volta mas, ainda assim, é possível acreditar em alguma redenção ou desfecho menos traumático, afinal Andreas não é um monstro, ele simplesmente errou com a intenção de acertar. Roteirista de confiança na parceria com Susanne Bier, Anders Thomas Jensen (dos prestigiados "Em um mundo melhor" e de "Depois do Casamento") assina este roteiro que atinge plenamente o que propõe, conforme a palavra da diretora: " Espero que nossa história
toque o público e faça com que todos reflitam sobre seus valores morais e que
os pesem bem em caso de urgência e necessidade de pragmatismo."
O elenco espetacular e experiente materializam o DNA do Cinema da Dinamarca com atuações críveis que mostram o quanto somos imperfeitos em nossas falhas por mais bem intencionados que somos. Cada um, à sua maneira, representa conflitos específicos em um nível pessoal e mais coletivo. Nikolaj Coster-Waldau é o protagonista que tem que lidar com as consequências de sua ação radical, posteriormente percebe que a relação com sua esposa instável e depressiva traz outras problemáticas pois, no fervor do momento, ela o influenciou a uma decisão muito emocional porém não tinha psicologia para lidar com as consequências do ato do marido. Ulrich Thomsen representa o amigo leal de Andreas, porém negligente com a própria vida. Divorciado, ele passa a se embriagar e não tem vontade de se fortalecer nesta difícil fase. Diante de uma investigação relacionada ao ato de Andreas, ele tem que recuperar seu autocontrole e agir com profissionalismo no trabalho. A estreante Lykke May Andersen também personifica uma mulher viciada em drogas que precisa encontrar a sua força pessoal a partir de uma tragédia. Neste sentido, cada personagem tem um bom desenvolvimento no roteiro e é bem utilizado na história com os devidos arcos dramáticos.
Segunda Chance é imperdível! É um Cinema que se engaja a nos fazer pensar em inúmeras perguntas sobre nós mesmos que podemos ter medo de responder. Encarar o espelho nunca é tão fácil e muito menos o dia seguinte.
Ficha técnica no ImDB Segunda Chance
Distribuição no Brasil : Califórnia Filmes
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