Daniel é a contraparte de sua esposa. Apaixonado e de calma personalidade, ele faz tudo o que Marjoline deseja. Não questiona suas ambições, não percebe que sua esposa tem um desequilíbrio psiquiátrico. Ele herda da família uma casa bem antiga e interiorana e as rosas de seu pai. Aspirante à cientista, Daniel começa a realizar experimentos com os cromossomos das rosas, deseja prover à esposa uma vida confortável. Como toda contraparte, Daniel é a representação de uma França contrária à de Marjoline. Ele é a França dos valores familiares, das raízes na terra, do passado. Um casamento entre o passado e o futuro está fadado a sobreviver na nova ordem do Capitalismo nos escombros de uma França em Reconstrução? Saberemos mais adiante... e a talentosa Léa Seydoux dá o tom de toda a projeção com uma excelente atuação bem amparada pelo realismo da câmera de Amos Gitai. Seus close-ups introspectivos, seu comportamento compulsivo consumista, sua insatisfação com tudo que não dá a idéia de progresso, refinamento e riqueza; seu regozijo perante os catálogos de produtos para a casa, sua inconsequente atitude perante as cobranças financeiras, seu completo esvaziamento existencial são traços de uma França que perdeu a sua existência questionadora ao se dobrar aos pés do consumismo. E, no final, percebe-se que este não é um problema da França pós-Guerra, é um problema do mundo, escravo do dinheiro e do desejo desenfreado de ter e, se necessário, dever e dever para ter o que deseja. Mais um exemplo de uma crítica cortante de que a Guerra é um motor para que países devastados contraíam mais dívidas, e a Guerra é o o aqui e o agora. Nós estamos nela.
Amos Gitai realiza uma belo filme, não só pelo argumento atemporal que serve para qualquer homem em qualquer nação, mas pela forma realista que ele coloca o seu olhar, na maneira como ele dirige a película. Aliás, em filmes europeus reflexivos como este, a variável direção faz muita diferença na qualidade da produção, e no caso de Gitai, seu trabalho é fantástico. O início do filme é acompanhado por uma transmissão de rádio com a propaganda da Segunda Guerra, seguido do discurso da Resistência Francesa. Enquanto os créditos iniciais ainda tomam conta da tela, há um trabalho de arte cool que intercala as primeiras imagens e falas do elenco. Logo mais, a atmosfera familiar e bucólica do casamento de Daniel e Marjoline nos leva ao convívio com os protagonistas. Durante toda a projeção, os movimentos da câmera do cineasta são variados porém mantém uma coerência com o cotidiano de um casamento nos quais os detalhes cênicos e os silêncios primordiais substituem as palavras como, por exemplo, perceber como a casa herdada por Daniel está caindo aos pedaços e Marjoline não se dá ao trabalho de limpá-la, pelo contrário, passeia pela casa, senta para limpar o seu escarpim, lava as mãos e retoca o batom. Acompanhamos estes contemplativos momentos que guardam em si a crítica a algo bem maior. Assim, Amos utiliza da realista câmera na mão a bem enquadradas dolly, e há o primor do trabalho fotográfico de Marie-Jose Sanselme que usa bastante o foco para enfatizar de partes do corpo a meros objetos, desfocando o fundo da foto, criando um efeito de sutil e cuidadosa beleza fotográfica, e íntima aproximação conosco. De maneira geral, a câmera de Amos é para Léa Seydoux; em vários momentos, a jovem garota é filmada de uma forma que enfoca sua beleza e total futilidade que nem mesmo a beleza consegue reparar; ela nem lê livros e acha que jogar bridge em um apartamento nos Champs-Elysees após ser convidada pela dona do salão é um formidável evento, mais uma vez Marjoline encarna visualmente o constante vazio que nem os seus novos eletrodomésticos podem preencher. Dentre as ruínas de um pós guerra, ela é o vazio da coletividade do Capitalismo, que continua deixando homens nas ruínas da contemporaneidade.
Título Original: Roses à Crédit
Origem: França
Gênero(s): Drama
Duração: 113 min
Diretor(a): Amos Gitai
Roteirista(s): Amos Gitai, Marie-Jose Sanselme
Elenco: Léa Seydoux, Grégoire Leprince, Pierre Arditti, Valeria Bruni-Tedeschi, Arielle Dombasle
Parece ser bom! Eu veria pela Léa.
ResponderExcluirNão conheço muito bem o cinema do Amos Gitai, mas este filme aí parece ser bem interessante.
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