Desta vez, ao sair da prisão, Gordon Gekko vira escritor, palestrante e está disposto a voltar ao mercado financeiro e ao seio de sua família, porém sua previsível ambição ambiguamente não é tão óbvia, ele sabe jogar, sabe esperar o golpe certeiro. Conhece o seu genro Jake Moore (Shia LaBeouf), jovem e ambicioso corretor de valores e namorada de Winnie Gekko (Carey Mulligan), uma ativista que tem um site ambiental e que odeia o pai com o qual não quer estabelecer nenhum tipo de contato. O tempo que Gekko mofou na prisão deixa claro que dinheiro não compra o tempo e que, há males que vem para o bem. Ele não precisou afundar de vez seu mau caratismo no especulador mercado financeiro, pelo contrário, Gekko retorna com toda a sabedoria profética de quem sabia que o mundo se afundaria em uma crise financeira e que surgiriam homens engravatados, ambiciosos e cretinos piores que ele. Um deles é o inescrupuloso Bretton James (Josh Broslin, excelente atuação), um daqueles corruptos executivos trilionários que fazem fortuna afundando outras empresas com boatos mentirosos e muita influência do mal. A partir do suicídio de Louis Zabel (Frank Langella, estupendo), dono de uma empresa de investimentos, mentor e um pai para Jake Moore, Bretton James ganha Jake como inimigo que se aproxima de Gordon Gekko para dar continuidade ao seu plano de vingança.
Este roteiro tem uma preocupação bem forte em mesclar no enredo as esferas pessoais e as esferas profissionais que fazem parte de Wall Street, e tal abordagem é pertinente porque a crise mundial saiu dos bancos de investimentos e entrou seriamente nas relações afetivas, afinal estamos todos vulneráveis à verocidade do dinheiro, na sua ausência e na sua presença. Começando com o suicídio de Louis Zabel, um executivo ganancioso que ainda tinha valores idôneos até ser vitimado pela maledicência do mercado e perder a cabeça, Wall Street dá início a um problema interpessoal nesse contexto. O jovem Jake Moore perde o emprego e o mentor, mas a perda não é só de Jake, a perda é da sociedade e esta é a grande sacada do início do filme, a perda de Zabel é coletivamente simbólica. Quantos homens éticos desmoronaram no mundo capitalista?Vários! Quantos homens éticos tiveram crises existenciais? Diversos! O dinheiro nunca dorme, quem têm pesadelos com crises financeiras somos nós. O dinheiro nunca morre, os mortais somos nós. Pois, neste suicídio, há a única esfera pessoal que simbolicamente é importante para uma reflexão sobre a crise econômica global, as demais são melodramáticas demais.
O elenco é excelente mesmo com alguns exageros emotivos no roteiro. Shia LaBeouf harmoniza muito bem a interpretação de um audacioso e inteligente jovem corretor da Bolsa, e ao mesmo tempo, um homem muito apaixonado por Winnie e muito apegado à sensibilidade de suas emoções, desde a perda de seu mentor até como lidar com a separação da amada e a fragilidade perante o agressivo mercado da Bolsa, logo seu personagem ainda tem muito a amadurecer em Wall Street. A talentosa Carey Mulligan dá o toque feminino e carismático à película, tem uma participação interessante porque, como ativista em uma organização não governamental, ela não se desliga do interesse monetário ainda que não o demonstre abertamente. Aliás, seu papel deveria ter mais personalidade à altura de seu talento; em algumas cenas, ela é mimada demais para ter o DNA do magnífico Gekko. Frank Langella faz uma participação relâmpago porém marcante e digníssima como um homem que faz uma escolha extremista afundando no mercado dos traders e se suicidando como tantos outros da Grande Depressão. Michael Douglas está sempre afiado como Gordon Gekko, emblemático mesmo após mais de uma década. Em uma formidável aparição em uma palestra do seu livro, ele é um dos narcisistas mais gananciosos e perspicazes da História do Cinema e ressalta que nem os anos na prisão nem o desejo de restabelecer a relação com a filha lhe tiraram a canalhice irresistível e auto-confiante, afinal 'o idealismo mata qualquer acordo'. Agora, quem brilha intensamente no sofisticado e arrogante universo de Wall Street é o vilão de Josh Broslin. Bonito, elegante, charmoso, culto, milionário e sem um pingo de escrúpulos, Broslin é o estereótipo dos homens que adoram prejudicar os outros para obter vantagens próprias e ajudam a afundar o capitalismo na podridão moral.
A ótima direção de Oliver Stone ressalta a elegância de Wall Street e o império do dinheiro como close-ups nas mulheres de uma festa e suas jóias, planos com reuniões de engravatados do mercado financeiro e traders negociando em suas mesas de operações, assim como uma montagem na qual prevale o dinamismo e a tensão das transações do mercado, sequências midiáticas, jornalísticas e cibernéticas, tudo para imprimir a veracidade e modernidade ao mercado financeiro. A fotografia do magnífico Rodrigo Pietro continua impecável e valoriza bastante a qualidade fílmica do longa-metragem. No geral, somente por conta de Michael Douglas, Josh Broslin, Frank Langella e a direção de Oliver Stone, o filme deve ser visto. Infelizmente, faltou um pouco mais de racionalidade neste roteiro além de mais densidade psicológica nos personagens que não culminasse no melodramático ato entre Carey Mulligan e Shia LaBeouf. Foi um desperdício o roteiro enfocar demais a natureza emocional dos personagens e o drama familiar, sem trazer um pouco mais do real business dos mercados das Bolsas de Valores, afinal por incrível que pareça o mercado financeiro atual não é só especulador e formado de inescrupulosos, pelo contrário; ele não é estereotipado como o do filme e está mais preocupado em fomentar a sociedade com sustentabilidade já que, se as pessoas forem desenvolvidas em suas capacidades financeiras, elas também podem investir mais no mercado de ações e gerar mais negociações para este segmento. Oliver Stone conduz uma câmera muito bem enquadrada, e por isso, merece as bolhas de sabão no céu de Nova York, mas acabou adentrando uma seara moralista que combina muito bem com seu perfil militante e, como em um surto, transformou os minutos finais em um melodrama desnecessário capaz de indignar até mesmo Gordon Gekko e que não deixariam de afirmar que o dinheiro também manda e desmanda nas relações afetivas, afinal, o "dinheiro é uma vadia que nunca dorme".
Título Original: Wall Street: Money Never Sleeps
Origem: EUA
Gênero(s): Drama
Duração: 127 min
Diretor(a): Oliver Stone
Roteirista(s): Allan Loeb
Elenco: Shia LaBeouf, Carey Mulligan, Josh Brolin, Michael Douglas, Charlie Sheen, Susan Sarandon, Oliver Stone, Eli Wallach, Frank Langella, Vanessa Ferlito, Natalie Morales, Donald Trump, Jason Clarke, Julianne Michelle, Anna Kuchma
Madame, como sempre ótimo texto =)
ResponderExcluirEu ainda não vi este pelo fato de não ter visto ainda o primeiro longa. Assim que o ver, verei este, com certeza xD
...Abs!
Ótima crítica madame. Como sempre uma visão acurada do cinema. Não concordo, porém, que falta ao filme aprofundamento psicológico dos personagens e racionalidade ao roteiro. Para mim, o grande porém do filme é mesmo o final, que diminui a força do registro. É um Stone amolecido isso sim.rsrs.Concordo que o original seja melhor (é), mas esse aqui não fica nada a dever.
ResponderExcluirBjs